sexta-feira, 16 de março de 2012

Um Poema: "Diante de uma criança", de Carlos Drummond de Andrade

DIANTE DE UMA CRIANÇA


Como fazer feliz meu filho?

Não há receitas para tal.

Todo o saber, todo o meu brilho

De vaidoso intelectual


vacila ante a interrogação

gravada em mim, impressa no ar.

Bola, bombons, patinação

Talvez bastem para encantar?


Imprevistas, fartas mesadas,

louvores, prémios, complacências,

milhões de coisas desejadas,

concedidas sem reticências?

 
Liberdade alheia a limites

perdão de erros, sem julgamento,

e dizer-lhe que estamos quites,

conforme a lei do esquecimento?

 
Submeter-se à sua vontade

sem ponderar, sem discutir?

Dar-lhe tudo aquilo que há

e entontecer um grão-vizir?

 
E se depois de tanto mimo

Que o atraia, ele se sente

Pobre, sem paz e sem arrimo,

Alma vazia, amargamente?


Não é feliz. Mas que fazer

para consolo desta criança?

Como em seu íntimo acender

uma fagulha de confiança?

 
Eis que acode meu coração

e oferece, como uma flor,

a doçura desta lição:

dar a meu filho meu amor.

 
Pois o amor resgata a pobreza,

vence o tédio, ilumina o dia

e instaura em nossa natureza

a imperecível alegria.


Carlos Drummond de Andrade
(Brasil, 1901- 1987)

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