quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Bom Português: "Aconselhar a...", mas "Desaconselhar de..."

in dicionário.com.br


Regência de «dissuadir» e de «desaconselhar»

Pergunta:

Os verbos «dissuadir» e «desaconselhar» têm a mesma regência dos seus antónimos? 
A minha dúvida prende-se com o facto de não saber por qual das preposições – "de" ou "a" – deverei optar, conforme seguidamente exemplifico. 
1) Fui dissuadido de ler um texto. 
2) Fui dissuadido a aceitar o convite. 
3) Olhares enviesados dissuadiram-no de continuar. 
4) Os amigos não o dissuadiram a deixar o vício. 
5) Fui desaconselhado de fazê-lo. 
6) Fui desaconselhado a caminhar nas matas. 
7) Desaconselharam-me a colocar vidro na frente. 
8) Desaconselharam-me de ir ver esta peça. 
Grato de antemão.
Resposta: 
O verbo persuadir tem como regência principal a preposição a: «Persuadiram-me a fazer a viagem.» Dissuadir, por seu lado, rege a preposição de: «Dissuadiram-me de fazer a viagem.» 
O verbo aconselhar nem sempre rege preposição. É, sobretudo, transitivo directo: «Aconselharam-me férias», embora possa reger a preposição a: «Aconselharam-me a ir de férias.» O seu antónimo, desaconselhar, tem regência semelhante: «Desaconselharam-me o frio»; «Desaconselharam-me a ida para o frio». Pode, ainda que marginalmente, ao que parece, ocorrer regendo a preposição de: «Desaconselharam-me de ir para o frio.» Note-se que esta frase pode concorrer com esta outra em que o verbo é transitivo: «Desaconselharam-me ir para o frio.» 
Fazendo uma análise simplista das frases em apreço, e tendo como ponto de partida o que acabo de dizer, acrescentarei à frente de cada uma se a considero aceitável na norma culta. 
1) Fui dissuadido de ler um texto. – Aceitável
2) Fui dissuadido a aceitar o convite. – Não a usaria na norma culta
3) Olhares enviesados dissuadiram-no de continuar.– Aceitável
4) Os amigos não o dissuadiram a deixar o vício. – Embora mais aceitável do que a (2), talvez pelo uso da negativo, também não a usaria na norma culta
5) Fui desaconselhado de fazê-lo. – Relativamente aceitável
6) Fui desaconselhado a caminhar nas matas. – Aceitável
7) Desaconselharam-me a colocar vidro na frente. – Aceitável
8) Desaconselharam-me de ir ver esta peça. – Relativamente aceitável

Note-se que o facto de considerar algumas frases relativamente aceitáveis significa que, mesmo dentro da norma, há graus de aceitabilidade, sobretudo com estruturas que evidenciam alguma instabilidade por estarem em evolução o que tende a deixar, durante algum tempo, os falantes “confusos”. 
por Edite Prada, 18 abril 2005 
in https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/regencia-de-dissuadir-e-de-desaconselhar/14127

Sobre sintaxe do verbo aconselhar
Pergunta:
Sou belga e estudo português como língua estrangeira com muito interesse.
Tenho uma amiga portuguesa que é muito simpática e corrige as minhas tarefas. Na semana passada, enviei um texto, e dentro deste texto escrevi : «O seu médico aconselhou-lhe a fazer ioga.» Ela disse que isso não era correto, e que tinha de corrigi-lo em «O seu médico aconselhou-a a fazer ioga.» Ela sentiu que deve ser a, e não lhe neste caso, mas não pode explicar o porquê.
Para mim (com o holandês como língua materna), é estranho. Fiz uma pesquisa na Internet e encontrei um documento originário do Brasil, em que falam da regência de alguns verbos. Neste documento dão dois exemplos com o verbo aconselhar: «Aconselhei-lhe ter prudência.»; e «Aconselhei-o a ter prudência.» Parece-me [aplicar-se] a mesma coisa [à] frase que eu fiz, e suponho que deve também ser : «O seu médico aconselhou-lhe fazer ioga.» ou «O seu médico aconselhou-a a fazer ioga». Mas a minha professora de Português não concorda, e diz que este a não pode fazer a diferença. Então, estou numa confusão. Alguém pode esclarecer?
Obrigadíssimo pela resposta.
Resposta:
Recomendam-se duas maneiras de construir a frase em questão: «O (seu) médico aconselhou-lhe fazer ioga» e «O (seu) médico aconselhou-a a fazer ioga».
A amiga do consulente tem efetivamente razão quando não aceita «O seu médico aconselhou-lhe a fazer ioga», porque:
I – o verbo aconselhar, associado ao pronome pessoal átono lhe – ou a qualquer complemento formado pela preposição a e por um nome («ao João», «à jovem») –, seleciona ainda um complemento que pode ser (sublinham-se os constituintes relevantes para a análise):
a) uma expressão nominal: «o médico aconselhou-lhe o ioga»;
b) uma oração introduzida pela conjunção que + conjuntivo: «aconselhou-lhe que fizesse ioga»;
c) um infinitivo: «aconselhou-lhe fazer ioga».
II – O mesmo verbo, associado aos pronomes pessoais átonos o ou a (e respetivos plurais), tem depois deste complemento um outro, sempre precedido da preposição a:
d) a que + conjuntivo: «aconselhou-a a que fizesse ioga»;
e) a + infinitivo: «aconselhou-a a fazer ioga»;
Estas são as regras gerais1 para a sintaxe de aconselhar, mas devem ter-se em atenção duas particularidades do uso:
1. Quando aconselhar é usado com infinitivo, usa-se mais o pronome pessoal o/a do que lhe: é mais frequente dizer/escrever frases como «aconselhou-a a fazer ioga» do que «aconselhou-lhe fazer ioga» (cf. Corpus do Português de Mark Davies);
2. Em d), isto é, com oração formada por a que + conjuntivo, é possível omitir a preposição a, como acontece muitas vezes antes da conjunção que: «aconselhou-a que fizesse ioga» (cf. nota 1). Trata-se de uma possibilidade que alguns falantes de português podem achar menos correta na escrita, mas que na oralidade é aceitável.
1  Francisco Fernandes, no seu Dicionário de Regimes de Verbos (Rio de Janeiro/Porto Alegre/São Paulo, Edição da Livraria do Globo, 6.ª edição, 1947), salienta a construção de acordo com o esquema «aconselhar alguém a que faça alguma coisa» com a seguinte abonação: «Aconselhei-o a que respondesse» (M. Barreto, Fatos da Língua, 191). Mas o mesmo autor assinala igualmente outras possibilidades: «Outro modo de construir o verbo aconselhar é pôr em dativo [= como complemento indireto] a pessoa a quem se aconselha , e em acusativo a coisa aconselhada: "Aconselho aos meus alunos que não se escapuleiem jamais em usar o sinal da crase em tais locuções". (Sá Nunes, Língua Vernácula, 3.ª série, 137). "Rompia em exclamações contra a mulher que lhe aconselhara dar maior publicidade à sua desonra". (Camilo, Esqueleto, 240). – "Uma terceira construção de aconselhar é a em que se omite a preposição e se usa o acusativo de pessoa: Aconselhavam-no que ao menos com os grandes se mostrasse mais tratável. Não faltou quem o aconselhasse que se valesse do Santo. Aconselharam-no que intentasse ação judicial contra os sócios". (M. Barreto, Fatos da Língua, 191) [...].» 
Por Carlos Rocha, 17 de maio de 2017 
in https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/sobre-sintaxe-do-verbo-aconselhar/34333

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