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segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Luta contra os eucaliptos...há 28 anos!

in: https://www.noticiasmagazine.pt/2017/
valpacos-luta-eucaliptos/
A 31 de março de 1989 o povo de Valpaços invadiu uma quinta
no vale do Lila para arrancar os 200 hectares de eucalipto que a Soporcel
tinha plantado na região. [Arquivo JN]
 

"Há 28 anos um povo lutou contra os eucaliptos. E a terra nunca mais ardeu
Em 1989 houve uma guerra no vale do Lila, em Valpaços. Centenas de pessoas juntaram-se para destruir 200 hectares de eucaliptal, com medo que as árvores lhes roubassem a água e trouxessem o fogo. A polícia carregou sobre a população, mas o povo não se demoveu. 

22/10/2017
Em quase três décadas o Lila escapou ileso aos incêndios. Hoje, todos dizem que é por se terem livrado dos eucaliptos. E lamentam que o resto do país não lhes tenha resistido
A 31 de março de 1989 o povo de Valpaços invadiu uma quinta no vale do Lila para arrancar os 200 hectares de eucalipto que a Soporcel tinha plantado na região. [Arquivo JN]
A polícia respondeu com uma carga à população, mas revelou-se incapaz de travar os avanços de 800 populares sobre a propriedade. [Arquivo JN]
Quando a cavalaria da GNR se viu cercada, entrou em campo o corpo de intervenção. Só aí os ânimos acalmaram. [Arquivo JN]
No vale do Lila não há mais de sete ou oito aldeias e todas vivem do olival. Os eucaliptos secar-lhes-iam os terrenos e trar-lhes-iam incêndios.
António Morais foi o cabecilha dos protestos. Percorrendo as aldeias depois da missa foi convencendo o povo que o lucro fácil traria prejuízos a médio prazo.
Hoje, o povo sente que a destruição dos eucaliptos foi a sua salvação. E dizem que, se tivessem deixado aquela floresta avançar, não teriam escapado aos incêndios de 2017.
Hoje os terrenos da quinta do Ermeiro são diversos. Há oliveiras e nogueiras, amêndoa e pinho. Em três décadas, nenhum incêndio.
João Sousa esteve na organização dos protestos à socapa, era presidente da freguesia da Veiga do Lila. «Dizem que somos um povo sem educação mas afinal nós é que estávamos certos.»
Os eucaliptos tinham sido plantados há pouco tempo, não foi preciso usar sacholas nem enxadas. Foram arrancados pelas mãos de homens e mulheres, canalha e velharia.
A oliveira e o azeite sempre foram a riqueza da região. É sobretudo disso que ainda vivem hoje as populações de Valpaços.
Ester Oliveira viu o marido ser detido durante os confrontos por posse de arma ilegal. «Foi o povo que o salvou por dizer que ele não arredava pé enquanto ele não fosse libertado.»
A população tinha recuado depois da chegada do corpo de intervenção, mas voltara à carga para defender José Oliveira. A guerra terminou com a sua libertação.
Alguns dos organizadores foram levados a tribunal por invasão de propriedade privada e condenados a pena suspensa. E todos dizem que voltariam a repetir o crime.
Natália Esteves organizou assembleias, bateu à porta dos vizinhos, conseguiu convencer dezenas de agricultores que o eucalipto traria seca e fogo.
Dos 200 hectares de eucalipto não sobram hoje mais do que uma dúzia de árvores junto ao casario do Ermeiro. Se alguém os quiser plantar, o povo arranca-os.
Maria João Sousa tinha 15 anos quando viu a revolução chegar à sua aldeia. Diz que foi o 25 de Abril da sua gente.
Em quase três décadas o Lila escapou ileso aos incêndios. Hoje, todos dizem que é por se terem livrado dos eucaliptos. E lamentam que o resto do país não lhes tenha resistido.
A 31 de Março de 1989 o povo de Valpaços invadiu uma quinta no vale do Lila para arrancar os 200 hectares de eucalipto que a Soporcel tinha plantado na região. [Arquivo JN]
Texto de Ricardo J. Rodrigues 
«Foi o nosso 25 de Abril», diz Maria João Sousa, que tinha 15 anos quando a revolução chegou à sua terra. No dia 31 de Março de 1989, a rebate do sino, 800 pessoas juntaram-se na Veiga do Lila, uma pequena aldeia de Valpaços, e protagonizaram um dos maiores protestos ambientais que alguma vez aconteceram em Portugal.
A acção fora concertada entre sete ou oito povoações de um escondidíssimo vale transmontano, e depois juntaram-se ecologistas do Porto e de Bragança à causa. Numa tarde de domingo, largaram todos para destruir os 200 hectares de eucalipto que uma empresa de celulose andava a plantar na quinta do Ermeiro, a maior propriedade agrícola da região.
À sua espera tinham a GNR, duas centenas de agentes. Formavam uma primeira barreira com o objectivo de impedir o povo de arrancar os pés das árvores, mas eram poucos para uma revolta tão grande.
A polícia respondeu com uma carga à população, mas revelou-se incapaz de travar os avanços de 800 populares sobre a propriedade. [Arquivo JN]
«Naquele dia ninguém sentia medo. Eles atiravam tiros para o ar e parecia que tínhamos uma força qualquer a fazer-nos avançar», lembra Maria João Sousa.
Maria João, que nesse dia usava uma camisola vermelha impressa com a figura do Rato Mickey, nem deu pelo polícia que lhe agarrou no braço. «Ide para casa ver os desenhos animados», atirou-lhe, mas a rapariga restaurou a liberdade de movimentos com um safanão: «Estava tão convicta que não sentia medo nenhum. Naquele dia ninguém sentia medo nenhum. Eles atiravam tiros para o ar e parecia que tínhamos uma força qualquer a fazer-nos avançar.»
A tensão subiria de tom ao longo da tarde. «Houve ali uma altura em que pensei que as coisas podiam correr para o torto», diz agora António Morais, o cabecilha dos protestos. Havia agentes de Trás os Montes inteiros, da Régua e de Chaves, de Vila Real e Mirandela.
Mas também lá estava a imprensa, e ainda hoje o homem acredita que foi por isso que a violência não escalou mais. Algumas cargas, pedrada de um lado, cacetadas do outro, mas nada que conseguisse calar um coro de homens e mulheres, canalha e velharia: «Oliveiras sim, eucaliptos não».
«Não queríamos arder aqui todos»
A guerra tinha começado a ser preparada um par de meses antes, quando António Morais, proprietário de vários hectares de olival no Lila, percebeu que uma empresa subsidiária da Soporcel se preparava para substituir 200 hectares de oliveiras por eucaliptal para a indústria do papel. «Tinham recebido fundos perdidos do Estado para reflorestar o vale sem sequer consultarem a população», revolta-se ainda, 28 anos depois.
«Nessa altura o ministério da agricultura defendia com unhas e dentes a plantação de eucalipto.» Álvaro Barreto, titular da pasta, fora anos antes presidente do conselho de administração da Soporcel e tornaria ao cargo em 1990, pouco depois das gentes de Valpaços lhe fazerem frente.
António Morais foi o cabecilha dos protestos. Percorrendo as aldeias depois da missa foi convencendo o povo que o lucro fácil trairia prejuízos a médio prazo.
«A tese dominante dos governos de Cavaco Silva era que urgia substituir o minifúndio e a agricultura de subsistência por monoculturas mais rentáveis, era preciso rentabilizar a floresta em grande escala», diz António Morais. O eucalipto adivinhava-se uma solução fácil.
Crescia rápido e tinha boas margens de lucro. Portugal, aliás, ganharia em poucos anos um papel de destaque na indústria de celulose e os pequenos proprietários poderiam resolver muitos problemas de insolvência abastecendo as grandes empresas com uma floresta renovada. A teoria acabaria por vingar em todo o país, sobretudo no interior centro e norte. Mas não em Valpaços.
«Numa região onde a água é tudo menos abundante, teríamos [por causa do eucalipto] problemas de viabilidade das outras culturas», diz António Morais.
«Comecei a ler coisas e percebi que o eucalipto nos traria grandes problemas», continua António Morais. «Por um lado, numa região onde a água é tudo menos abundante, teríamos grandes problemas de viabilidade das outras culturas. Nomeadamente o olival, que sempre foi a riqueza deste povo. E depois havia os incêndios, que eram o diabo. São árvores altamente combustíveis e que atingem uma altura muito grande.»
Na terra quente transmontana o ano são oito meses de inverno e quatro de inferno. O fogo, tinha ele a certeza, chegaria com aquele arvoredo.
Uns meses antes da guerra, começou a conversar sobre o seu medo com algumas das mais relevantes personalidades do vale. Grandes proprietários, políticos da terra, as famílias mais reconhecidas. «Lentamente começou a formar-se um consenso de que o lucro fácil do eucalipto seria a médio prazo a nossa desgraça. Não queríamos deixar secar a nossa terra. E não queríamos arder aqui todos. Tínhamos de destruir aquele eucaliptal, custasse o que custasse.»
Anatomia da conspiração
O núcleo duro estava formado, era constituído por dezena e meia de agricultores capazes de mobilizar o resto do povo. «Aos domingos, íamos às aldeias e no fim da missa explicávamos às pessoas o que podia acontecer à nossa terra», lembra Natália Esteves, descendente de uma família de grandes produtores de azeite feita de repente líder de protesto ecológico. «E também íamos de casa em casa, esclarecer quem não tinha estado nas assembleias.»
Ao início houve renitência, a madeira valeria sempre mais do que a azeitona, e a castanha ainda não rendia o que rende hoje. «Mas tentámos sempre centrar a conversa no que aconteceria daí a uns anos, dizer que os eucaliptos secariam os solos e o povo ficaria refém de uma única cultura, que se alguma coisa corresse mal não teriam mais nada.»
João Sousa esteve na organização dos protestos à socapa, era presidente da freguesia da Veiga do Lila. «Dizem que somos um povo sem educação mas afinal nós é que estávamos certos.»
O que mais assustava aquela gente, no entanto, era o fogo. «Onde há eucalipto, tudo arde. E então o povo já não chamava a árvore pelo nome, mas por fósforos.» A primeira batalha estava ganha: tinham o apoio da população.
João Sousa era nessa altura presidente da junta da Veiga do Lila. «Oficialmente não podia dizer que era contra os eucaliptos, nem ir contra a polícia. Mas, quando falava com as pessoas, dizia-lhes o que haviam de fazer», conta agora com uma gargalhada e sem ponta de medo.
«Vê, nem um eucalipto plantado. E o nosso vale há mais de 30 anos que não arde», diz João de Sousa.
«Então se tínhamos o melhor azeite do país íamos dar cabo dele para enriquecer uns ricalhaços de fora?» Tem 86 anos e uma destreza de 30, hoje estuga o passo para mostrar a zona que podia ter sido caixa de fósforos. «Vê, nem um eucalipto plantado. E o nosso vale há mais de 30 anos que não arde. Se o povo não se tem unido hoje estávamos a viver a mesma desgraça que vimos por esse país fora.»
Essa é aliás a conversa mais recorrente por estes dias no vale do Lila. A tragédia florestal portuguesa dá a este povo a impressão que eles sim, tinham razão há muitos anos, quando o governo e as autoridades lhes diziam o contrário.
«Podem achar que somos gente do campo, sem educação nem conhecimento, mas nós cá soubemos defender a nossa terra», diz o velhote. «Temos chorado muito por esta gente que perdeu vidas e animais e casas. E há uma coisa que o meu povo sabe: se temos deixado ficar os eucaliptos, também hoje choraríamos pelos nossos.»
A guerra
Há uns dias que os combates tinham começado. Ataques furtivos do povo, desorganizadamente, para arrancar pés de eucalipto nos limites do Ermeiro. Duas semanas antes da guerra, no Domingo de Ramos, as coisas aqueceram.
«Juntámos duas centenas de pessoas aqui destas aldeias e os donos da empresa chamaram a GNR», lembra António Morais. «Quando eles chegaram já tínhamos dado cabo de uns bons 50 hectares de eucaliptal.» Nesse dia não houve confrontos, porque o povo fugiu. Mas anunciaram a alto e bom som que voltariam depois da Páscoa.
Esse ataque tinha feito notícia no Jornal de Notícias e trazido uma mão-cheia de jornalistas à terra, nomeadamente Miguel Sousa Tavares, da RTP. «Percebi que as coisas estavam a tornar-se muito grandes e foi então que contactei a Quercus. Precisávamos de ajuda.»
A 31 de Março de 1989 o povo de Valpaços invadiu uma quinta no vale do Lila para arrancar os 200 hectares de eucalipto que a Soporcel tinha plantado na região. [Arquivo JN]
Do outro lado da linha atendeu Serafim Riem, que dirigia o núcleo do Porto da organização ambientalista. O ecologista partiu imediatamente para o terreno. Nesses dias ouviriam do parlamento em Lisboa várias palavras de solidariedade. Sobretudo do PCP, d’Os Verdes e de um jovem deputado socialista chamado José Sócrates.
Agora não valia a pena esconder mais nada. A 31 de março de 1989, domingo depois da Páscoa, o povo juntar-se-ia todo na Veiga do Lila para dar cabo do eucaliptal que restasse. A aldeia enchera-se de jornalistas, havia até um helicóptero a cobrir os acontecimentos do ar.
A direção nacional da Quercus demarcar-se-ia da organização dos protestos através de um comunicado, mas os núcleos do Porto e Bragança encheriam cada um o seu autocarro de ambientalistas carregados de cartazes. Às duas da tarde o sino começou a tocar a rebate. Oito centenas de vozes entoavam «oliveiras sim, eucaliptos não» e largaram por um caminho de terra batida para a quinta do Ermeiro.
Numa hora, foram arrancados 180 hectares de pequenas árvores. «Alguns gozavam com os agentes na cara e levaram umas bastonadas», recorda Natália Esteves.
Não era preciso usar enchadas nem sacholas, os eucaliptos tinham sido plantados há pouco tempo e arrancavam-se com as mãos. A polícia tentava fazer uma linha de defesa, mas duas centenas de agentes não chegavam para aquela gente toda.
Numa hora, foram arrancados 180 hectares de pequenas árvores. «Alguns gozavam com os agentes na cara e levaram umas bastonadas das boas», recorda Natália Esteves. Os que eram de perto diziam-lhes assim: «Tendes razão, por isso vamos fingir que não vemos.» Viravam as costas e o povo ia subindo o terreno.
Num instante, o casario da quinta tornava-se no último reduto da investida. Uma dezena de guardas saíram a cavalo, era demonstração de força mas não surtiu resultado. A Soporcel tinha construído socalcos para plantar os eucaliptos e, agora, os animais não conseguiam descê-los.
«O povo ia atirando pedras aos guardas, houve um que acertou no cavalo e mandou-o abaixo», diz João Morais. Foi nesse momento que entrou em campo o corpo de intervenção, disposto a levar toda a gente pela frente. «Aí as coisas podiam ter descambado definitivamente.»
Todos por um
A guarda especializada avançava agora colina abaixo com escudos e capacetes. José Oliveira, um agricultor da pequena aldeia de Émeres, tentou escapar pela lateral, mas foi logo caçado pela guarda. No bolso trazia um revólver e foi isso que o tramou. «Levaram-no logo detido para dentro do jipe por posse de arma ilegal», conta agora a sua viúva, Ester.
Aquela detenção marcaria o início do fim da guerra. «As pessoas tinham recuado por causa do corpo de intervenção, mas quando se aperceberam que um dos nossos estava preso começaram a gritar que não arredariam pé enquanto ele não fosse solto», diz João Morais. Ester anui, «foi o vale inteiro que salvou o meu homem.» Agora já não havia pedras, havia gritos. Que libertassem o tio Zé e rápido.
Ester Oliveira viu o marido, José Oliveira, ser detido durante os confrontos por posse de arma ilegal. «Foi o povo que o salvou por dizer que não arredava pé enquanto ele não fosse libertado.»
Serafim Reim, o homem da Quercus, é que foi lá negociar a libertação com os guardas. Sobravam menos de 20 hectares de eucalipto, o povo deixá-los-ia em paz se soltassem o velhote. Uma hora depois, houve consenso. Identificaram José Oliveira, caçaram-lhe a arma e mais tarde levaram-no a tribunal, mas naquele dia saiu pelo seu pé para os braços da mulher, e daí para casa.
António Morais, Natália Esteves, João Sousa e mais uma dezena de organizadores do protesto também seriam chamados à barra da justiça, um ano depois enfrentaram acusação de invasão de propriedade privada e foram condenados com pena suspensa.
«Ainda vieram uns engenheiros da Soporcel dizer que retirariam a queixa se nos comprometêssemos a não destruir uma nova plantação de eucalipto. Disse-lhes que nem pensar, aqui nunca teríamos árvores dessas no nosso vale.»
Nas noites seguintes arrancou-se à socapa quase tudo o que faltava, ficaram apenas meia dúzia de hectares a rodear o casario da quinta, mais passível de vigia. A Soporcel acabaria por desistir e vender a propriedade e a família que a comprou, quando ousou confessar a Natália Esteves que pensavam plantar eucaliptos, foram logo avisados: «Se os botais nós os arrancamos.»
«A única maneira de travar os incêndios em Portugal é reduzir o eucaliptal e substituí-lo pela floresta autóctone», diz o ambientalista Serafim Riem.
Hoje, o Ermeiro é terra de nogueiras e amendoeiras, oliveiras e pinho. Nunca ardeu. Serafim Riem, o ambientalista da Quercus, diz que até hoje a guerra do povo de Valpaços é um marco, a maior ligação jamais vista no país entre o mundo rural e o ativismo ecológico.
«A única maneira de travar os incêndios em Portugal é reduzir drasticamente o eucaliptal e substituí-lo pela floresta autóctone, que não só tem melhor imunidade ao fogo como gera uma riqueza mais diversificada para as populações.»
Naquele 31 de março de 1989, o povo uniu-se e, diz agora, salvou-se. «Nós é que tínhamos razão», repetem uma e outra vez, repetem todos. Às seis da tarde, depois de José Oliveira ser libertado, um vale inteiro voltou pelo mesmo caminho e juntou-se no principal largo de Veiga do Lila. Mataram-se dois borregos e um leitão, abriram-se presuntos e deitaram-se alheiras à brasa, houve até quem trouxesse uma pipa de vinho. A festa durou noite dentro e foi maior do que qualquer romaria de Santa Bárbara.

À volta da fogueira acabariam por juntar-se também os guardas que horas antes defendiam o Ermeiro. E ali ficaram a comer e beber, vencedores e vencidos, que em Trás-os-Montes nunca se nega hospitalidade. Maria João Sousa nunca tinha visto uma coisa daquelas, nem nunca voltaria a vê-la na sua terra. Foi o 25 de Abril da sua gente. «Há lá coisa mais bonita do que uma revolução.»"

sábado, 15 de julho de 2017

Para que Portugal não arda...

Acabei de ler um artigo de opinião no jornal observador.pt a propósito do FOGO DE PEDRÓGÃO GRANDE e nele se pode ler as propostas de seis especialistas "para atenuar o problema dos incêndios em Portugal".

Todos nós desejamos que as populações afetadas retomem a sua vida normal, o que vai ser muito difícil, com as recordações desta tragédia de enorme dimensão! 

Mas a vida tem de continuar e temos vistos nos órgãos de comunicação social como o esforço por parte de todas essas pessoas está a ser grande; decerto chegará o dia em que a estabilidade acabará por se instalar e as pessoas retomarão o seu curso normal de vida. 

Desejamos também uma total recuperação da nossa floresta e, para isso, teremos de confiar nestas propostas que acabei de ler neste artigo e para que os nossos corações se encham de esperança:

"Dez propostas para Portugal não arder

  • José Miguel Cardoso Pereira, Francisco 
  • Cordovil, Tiago Oliveira, Paulo Fernandes, 
  • Henrique Pereira dos Santos

Pedro Bingre do Amaral

Propostas de seis especialistas para atenuar 
o problema dos incêndios em Portugal, 
umas mais restritas e de custo limitado, 
outras que exigem alterações profundas 
ao modo como o país está organizado.

Os incêndios atentam contra o património de valor inestimável que é a floresta e os espaços agrícolas e contra as pessoas, suas habitações e bens.
Os grandes incêndios de Pedrógão Grande e Góis mostram, mais dramaticamente do que nunca, as terríveis consequências da nossa incapacidade para os prevenir e evitar. Já não é apenas a proteção dos bens e da segurança civil que estão em causa. É o próprio direito à vida.
É preciso reconhecer que temos falhado, compreender as razões desse fracasso e agir com mais determinação, mais meios e novas atitudes. Em síntese: este é um desafio onde não temos direito ao conformismo pois estão em causa deveres e valores vitais da comunidade nacional.
Mais de 80% da área total que arde em cada ano concentra-se num pequeno número de dias de Verão. Costumam ser menos de duas semanas, com vento de Leste a trazer tempo muito quente e seco que favorece a rápida propagação do fogo e dificulta o combate. Em 2016, 90% dos 160 mil hectares queimados arderam na segunda semana de agosto e na primeira semana de setembro.
Nestas épocas de incêndio, um ataque inicial rápido e musculado aos fogos costuma ter mais de 95% de sucesso, mas o pequeno número de fogos que se transforma em grandes incêndios acaba por queimar uma enorme proporção de floresta e mato. Os piores anos de sempre foram 2003 e 2005. Em 2003, 1% dos incêndios foi responsável por 90% do total de 440 mil hectares queimados. Em 2005, 1% dos incêndios foi responsável por 85% do total de 300 mil hectares queimados.
As alterações climáticas em curso vão tornar mais frequente estes extremos de calor e secura e agravar a severidade das épocas de incêndios. O facto de os grandes incêndios se concentrarem em poucos dias leva a picos de atividade tão grandes que as corporações de bombeiros não têm capacidade para proteger as populações e a floresta. Fora destes picos de atividade, os meios de combate são subutilizados. O que fazer para mudar esta situação?
Tal como a natureza, que age durante todo o ano no desenvolvimento dos matos e de outra vegetação combustível, também nós temos que agir durante todo o ano, e todos os anos, em duas áreas complementares. Só assim, a natureza será uma aliada em vez de uma inimiga alimentada pelo abandono e desordenamento dos espaços florestais.
A primeira área é mais estratégica e ampla: reordenar e gerir ativamente os espaços florestais, para regenerar as suas funções produtivas, para potenciar a sua viabilidade económica e utilidade pública e para reduzir os incêndios. A segunda área é mais operacional e corresponde à vertente da prevenção estrutural do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios, que tem de ser muito reforçada.
Apresentamos de seguida dez propostas para atenuar o problema dos incêndios em Portugal. Umas são de âmbito relativamente restrito, de custo limitado e implementáveis a curto prazo. Outras exigem alterações mais profundas ao modo como estamos organizados e como agimos para gerir o risco de incêndio. Acreditamos que há recursos financeiros e competência técnica para levar por diante estas propostas. Assim haja liderança política para transformar esta crise na oportunidade de mudança que a sociedade exige.

Defender as populações

Propomos a criação de um programa para a segurança dos aglomerados urbanos face ao perigo de incêndio. O programa deverá divulgar boas práticas de construção e manutenção das habitações, promover o delineamento as faixas de proteção das edificações e aglomerados urbanos atendendo às circunstâncias locais e vigiar a sua efetiva implementação. Deve também ser identificada, ou criada, em cada aglomerado populacional uma área segura, para onde as pessoas se devem deslocar em caso de incêndio e divulgar-se junto da população as boas práticas a seguir nessas circunstâncias.

Atender ao perigo meteorológico para a prontidão dos bombeiros

Propomos que o nível de prontidão dos bombeiros para o combate dependa do perigo meteorológico de incêndio. Isto exige formação de pessoal e flexibilidade do Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios para mobilizar mais efetivos no Outono e na Primavera, quando o nível de perigo meteorológico o justifique.
Propomos o investimento na formação de técnicos especializados em meteorologia aplicada a incêndios e na sua interpretação quantitativa, capazes de prever o comportamento potencial do fogo (no Instituto Português do Mar e da Atmosfera), de fazer interpretação operacional do comportamento de incêndios em curso, para apoio ao combate (na Autoridade Nacional de Proteção Civil) e de fazer a interpretação operacional do comportamento de fogos controlados e contra-fogos (no Instituto para a Conservação da Natureza e Florestas – ICNF). Deve também integrar-se os técnicos florestais especializados em análise de comportamento do fogo no processo de ajuda à tomada de decisões em grandes incêndios.

Alterar normas do direito sucessório

Propomos a revisão das normas de Direito sucessório e de cadastro de modo a estipular um prazo-limite para que, uma vez falecido o antigo titular do património que passou a constituir a herança, os herdeiros procedam à devida habilitação, findo o qual não tendo sido apurados sucessíveis a herança jacente seja declarada vaga. Estipular um prazo-limite para a resolução de partilhas, findo o qual haverá lugar a resolução judicial das mesmas. Nos prédios rústicos em situação de herança indivisa de dimensão igual ou inferior à da unidade de cultura, estipular a sucessão na titularidade num único herdeiro, ficando este obrigado a compensar os demais em dinheiro ou em bens.

Rever alguns aspetos da fiscalidade do património rústico

Propomos a revisão da fiscalidade do património rústico de modo a refletir na tributação dos prédios rústicos as despesas públicas na prevenção e combate a incêndios; refletir os custos de oportunidade decorrentes do abandono, penalizando pousios expectantes nas áreas periurbanas, que aumentam o risco para as populações; incentivar o associativismo, o cooperativismo ou o arrendamento de prédios rústicos.

Instituir Contratos-Programa de Ordenamento e Gestão Florestal

Propomos que seja instituído um sistema de contratos-programa entre o Estado e associações organizações e associações de proprietários e produtores florestais que assegurem a gestão comum de espaços florestais em zonas de minifúndio e de elevado risco de incêndio, com prioridade para as Zonas de Intervenção Florestal existentes ou a constituir[FC1] , de modo a incentivar de forma efetiva e duradoura as associações de proprietários e produtores florestais ativas. As zonas de intervenção florestal (ZIF) foram criadas a partir de 2006 e visam superar os constrangimentos da fragmentação fundiária e do abandono, constituindo unidades com a dimensão suficiente para uma gestão comum e sustentável. Passada uma década, foram criadas mais de 170 ZIF, que cobrem quase um milhão de hectares. Mas os seus resultados têm ficado muito aquém do pretendido com a sua criação e para alterar esta situação terão que ser criados incentivos muito mais efetivos do que até ao presente. Para serem bem-sucedidas, as ZIF devem executar tarefas muito vastas, exigentes e complexas, só se obtendo o merecido retorno em benefícios de natureza privada e pública a médio e longo prazos, em regra, superiores a 20 ou 30 anos. É, pois, fundamental que os incentivos públicos à atividade de cada ZIF, além de suficientes para cumprirem a sua missão, sejam congregados em contratos-programa, que estabeleçam de modo coerente e previsível esses incentivos e as modalidades de acompanhamento e avaliação da sua utilização e resultados. Dada a imensidão desta tarefa, o seu horizonte temporal e a diversidade de meios a mobilizar, terá que lhe corresponder uma organização focalizada na sua concretização, capaz de mobilizar vontades e recursos diversificados, nomeadamente no domínio das fontes de financiamento público.

Considerar o risco de incêndio como um critério fundamental na proposta de reprogramação do PDR 2020

Propomos que o risco espacial de incêndio seja um critério fundamental de orientação da reprogramação do Programa de Desenvolvimento Rural para o Continente (PDR 2020), alterando para futuro o que não esteja bem: primeiro, a dotação disponível para ação de apoio à defesa preventiva da floresta (ação 8.1.3) parece ser muito insuficiente, pois ainda estamos a meio do atual período de programação; segundo, a atribuição dos apoios da ação 8.1.3 tem sido realizada nos termos da portaria n.º 134/2015, que determinou que o risco de incêndio deixasse de ser um critério de aprovação das candidaturas. Estas circunstâncias conduziram a que as entidades que, apoiadas pelo PRODER (2007-2013), tinham executado a maioria das ações de prevenção nas zonas de minifúndio afetadas por incêndios, deixassem de ser apoiadas pelo PDR 2020, que tem destinado a maior parte dos apoios a zonas onde o risco de incêndio é baixo.

Criar núcleos de defesa da floresta contra incêndios com base nas atividades de resinagem e silvopastorícia

Propomos a inclusão de uma medida no PDR 2020 para financiar a defesa da floresta contra incêndios através do incentivo às atividades de resinagem e à silvopastorícia. Não existem outras atividades que garantam uma presença humana na floresta e nas áreas de matos tão ativa como estas. A medida deverá prever o pagamento dos serviços de interesse público de defesa da floresta contra incêndios a resineiros ou pastores, quando integrados numa lógica de defesa de um território, pelo profundo conhecimento que têm do terreno e pelo seu interesse direto na defesa da floresta e no valor dos pastos.

Promover a coordenação supraministerial do plano nacional de defesa da floresta contra incêndios

Propomos a criação da figura de um coordenador das políticas, das instituições e dos programas relevantes para a gestão o risco de incêndio, sob a dependência do Primeiro-Ministro ou Presidência do Conselho de Ministros. O coordenador assegurará a gestão do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, a mobilização das partes interessadas e o apoio ao desenho consistente das políticas públicas, estímulos e instrumentos e operações, garantindo a coordenação supraministerial, suprarregional e o equilíbrio entre os investimentos de prevenção e de combate aos incêndios. O coordenador assegurará também as boas práticas de gestão e governação, nomeadamente transparência, reporte de contas, avaliação e promoção de ciclos de melhoria e revisão de processos. Definir a gestão ativa dos espaços arborizados, de matos e agrícolas abandonados, que constituem hoje a maioria do território, como uma prioridade política do Governo.

Promover a coordenação supramunicipal e comando e controlo operacional da prevenção

Propomos a criação de uma instituição pública, tutelada pelo Governo, para liderar a defesa dos espaços florestais, trabalhando com as atuais estruturas do sistema – públicas, associativas e privadas, devendo articular-se no exercício das suas competências com o coordenador referido na proposta anterior, nos termos que o Governo deverá determinar de modo preciso nos instrumentos jurídicos que regularem a tutela, orgânica, competências e integração hierárquica da instituição. Focada na execução de tarefas de gestão de vegetação, a organização será constituída por cerca de novecentos profissionais certificados e com funções polivalentes, dedicados intervir anualmente sobre uma área de 120 mil hectares e a trabalhar na floresta durante todo o ano. Com mais de 90% de operacionais – recrutados preferencialmente entre sapadores florestais, bombeiros e militares – contribuirá para a criação de emprego qualificado em zonas económica e socialmente deprimidas. A criação duma instituição com estas atribuições vai, finalmente, ao encontro do espírito e da letra da Lei de Bases de Política Florestal, que desde há mais de 20 anos identifica a necessidade de uma “estrutura nacional, regional e sub-regional com funções de planeamento e coordenação das ações de prevenção e deteção e de colaboração no combate aos incêndios florestais” (alínea d) do artigo 10.º da Lei n.º 33 de 17 de Agosto de 1996).

Recuperar as áreas queimadas

Propomos a criação de uma estrutura de Missão, com carácter regional e temporário, responsável por planear, coordenar e executar todas as ações de estabilização e recuperação das áreas afetadas pelos grandes incêndios. Desta forma e com uma escala supra-municipal, será possível aumentar a eficácia e eficiência regional das ajudas públicas e privadas. A médio prazo, as suas atribuições e programa operacional, serão gradualmente transferidas para as entidades competentes (ICNF, CCDR, municípios, etc.). A estrutura de missão elaborará um programa de recuperação, a submeter à aprovação do Governo. Uma vez aprovado, para se garantir a sua eficácia, todos os terrenos não agricultados incluídos na área ardida serão submetidos ao regime florestal parcial obrigatório, ficando os proprietários e a posterior gestão em sede de ZIF, a constituir, vinculados ao cumprimento do programa de recuperação.
José Miguel Cardoso Pereira, Professor, Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa

Francisco Cordovil, Professor, ISCTE
Tiago Oliveira, Coordenador executivo da proposta técnica do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios 2005
Paulo Fernandes, Professor, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Henrique Pereira dos Santos, Arquitecto Paisagista
Pedro Bingre do Amaral, Professor no Instituto Politécnico de Coimbra"