"Sociedade
Publicado 29.01.14 11:25
EDITORIAL: O Livro do Inconseguimento
EDITORIAL, por Belmiro Narino - "Portugal não tem partidos de direita, de esquerda, de nada, tem um bando de salafrários que se reúnem para roubar juntos" (José Saramago).
Os deputados da AR aprovaram, por unanimidade, o aumento de 4,99 %
dos seus vencimentos para 2014, passando a receber 10.293,000 euros em
vez de 9.803,084 euros. Atribuíram-se também, sem negas nem abstenções,
subsídios de Natal, com um acréscimo de 91,8 % em relação a 2013.
Votaram-se ainda uma subvenção de 18.261,459 euros para propaganda
eleitoral. Além disso, recebem os grupos parlamentares um pacote de
880.081 euros, dos quais 200.945,00 euros são para cobrir as despesas de
telefone e telemóvel.
A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) publica, no seu
portal, o estado das contas dos três casinos (Estoril, Lisboa-Expo e
Póvoa de Varzim) em 30 de Setembro de 2013. A empresa fechou o 3o
trimestre com lucros de 1.258.281,281 euros. Pois ainda gozou de
benefícios fiscais num montante de 2.333,516 euros, 1,8 %, perto do
dobro do lucro registado, como apoio do governo à renovação dos
instrumentos de jogo e à animação de eventos e espectáculos. Este mesmo
governo (desgoverno ou ingoverno, ao jeito literário de Assunção
Esteves, presidente da AR!) corta nas pensões de viúvas e viúvos, na
saúde e na educação, e sobrecarrega de impostos gente à beira da
miséria. Tudo isto pode o leitor comprovar nos portais da AR, despesas,
01.01.2014, e do Diário da República, números 222 e 226.
Pelas peripécias de alcova de François Hollande, o professor de ética
Denis Müller classifica-o de "homem mentiroso irresponsável". Prometera
aos franceses uma vida de presidente exemplar. E Passos Coelho não
afirmou também que o seu governo cumpriria a justiça social, fazendo
parte da ementa não levantar os impostos e diminuir a despesa pública?
Nenhum deles foi fiel à palavra.
O Evangelho de Mateus (Mt 4, 12-23) fala-nos de um homem que se tinha
pronunciado contra os abusos e prepotências dos políticos e poderosos,
em Israel. A sua ousadia valeu-lhe o cárcere e a morte. Assim lhe
cortaram a palavra. Os nossos tempos não são muito diferentes do tempo
de João Baptista e de Jesus Cristo. O arbitrário dos que mandam existe a
todos o níveis. E a corrupção.
O fracasso da instrução e da educação fez do povo luso um rebanho
acrítico. Cloroformizado pelas trelas e novelas da TV, pública e
privada, não lhe resta tempo nem força para julgar. Os comediantes
televisivos aparelham os noticiários para não incomodar quem lhes paga.
Engano, os donos da TV estatal são os contribuintes, somos nós. Os
prejuízos causados pela desavença de Hollande e Valérie, no salão
presidencial, que se bateram com tudo o que estava à mão, quadros,
móveis, estátuas, adornos e tudo o que podia ser projéctil, foram
calculados em mais de um milhão de euros. A "Valoche" (apelido popular)
foi parar ao hospital. Perdeu o verniz das aparências e o título de
"primeira dama". Os dois perderam a compostura. Quem vai pagar os danos?
Os contribuintes.
Num recente encontro com o Papa Francisco, convidou-o a ir à França,
em visita oficial. Talvez o bom senso ou o respeito pelo Pontífice o
levem a sacudir os rumores, segundo os quais, para não irritar os
maometanos, que reivindicam, e lhes são concedidos, os direitos
culturais, este governo iria propor a supressão de todas as alusões
cristãs no calendário. Seria um atentado contra a identidade da França.
Também entre nós abundam processos de descaracterização. A começar
pela língua, o tesouro mais precioso da nossa cultura. A nossa pátria,
com Fernando Pessoa. Há pouco tempo, um ministro do Ensino Superior, a
perorar na RTP, disse "interviu" em vez de "interveio". Foi logo
corrigido por Clara Ferreira Alves.
Agora foi a Dona Assunção Esteves, presidente da AR, o bando de
sábios que parturiu o aborto ortográfico, que apurou o léxico, numa
entrevista à RR, para não imitar os indoutos. Teme um "inconseguimento"
dos seus planos. Seria "frustracional" e "castrador". Quereria dizer
infibular? Dois termos novos, um por "prótese", outro por "paragoge".
Para continuar no "in", o parlamento a que a sra. preside parece uma
assembleia de ingluviosos, que do governo deles fazem o ingoverno do
povo inditoso. Inquietante, inidóneo, inobre, não é, Senhor General
Ramalho Eanes? E o Sá-Carneiro, inumado, a ser inexistenciado outra vez.
O PSD que lhe ofereça umas inférias. Talvez, com essas mezinhas, acabe o
infestamento da língua e do ingoverno.
Belmiro Narino"
FONTE:
http://www.wort.lu/pt/view/editorial-o-livro-do-inconseguimento-52e8d71ce4b00e3c1fcefe1a