terça-feira, 11 de agosto de 2020

Uma pequena reflexão sobre leitura e escrita

imagem in portaldaliteratura.com


Carlos Drummond de Andrade disse um dia: "A leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas por incrível que pareça, a quase totalidade das pessoas não sente esta sede."

Ao começar a ler o livro de Ana Luísa Amaral Arder a palavra e outros incêndios, Relógio d'Água, dezembro de 2017, encontro reflexões muito interessantes logo nas primeiras páginas sobre a leitura e a escrita e gostaria de aqui partilhar algumas. 

A autora considera a frase de Drummond "algo arrogante", considerando que o facto de não se sentir essa sede "está sobretudo ligado a questões de ordem sociocultural, com hábitos ensinados e depois integrados". 

Ana Luísa Amaral refere que esta frase de Carlos Drummond de Andrade lhe trouxe à memória não só o poema de Emily Dickinson, em tom mais humilde, e que começa assim: "Não há fragata como um livro/Para levar-nos terra afora", como também uma frase de Fernando pessoa "Ler é sonhar pela mão de outrem". 

Considera que "A leitura implica um gesto que passa pelos dois sentidos de comoção: mover-se e comover-se. Implica um determinado tipo de acção. Mas tratará a leitura de um agir diferente do agir da escrita? É que agir não quer dizer só comportar-se ou conduzir-se, agir quer dizer igualmente intervir, e, no caso da escrita, significa também pegar na caneta, ou no lápis, afiar o lápis, correndo o risco de, partindo-se o seu bico , partir-se também a ideia antes pairando, enquanto se afiou o lápis para dentro do cinzeiro que está em cima da mesa de café, isto se estivermos num café onde se pode fumar, que é onde é bom escrever, desde que não haja aquela música alta que agora pões nos cafés, com o pretexto de que toda a gente gosta, e é mentira, as pessoas são coagidas a gostar de música alta, experimentem perguntar às pessoas e elas dizem que não gostam ou então que tanto lhes faz, mas continuemos, estávamos então a afiar o lápis, dizendo que agir significa também afiar o lápis, depois fiar-se no movimento da mão,  afinar o tempo, a ver se porventura ali: ponto de luz em sobressalto ou calma, ficar-se em espera, olhando o ar, roendo a ponta do lápis, e onde é que está o prazer disto, e todavia o prazer está lá, espreitando, disfarçado de angústia, ficar então em espera, olhando o ar, depois desconfiar da palavra que de repente surge, ou não tão de repente, porque, nestes casos, foi convocada por uma ideia ou mesmo quem sabe por outra palavra que veio antes dela, mas o processo é sempre um pouco estranho - e, apesar disso, apesar de tudo, do prazer, do desprazer que tudo isto traz, ainda assim confiar na palavra, no seu aparecimento, que é às vezes também aparição...".

Gostei muito desta reflexão, pois obrigou-me a pensar tal como Ana Luísa Amaral afirma que "se a escrita está ligada ao prazer é porque ela não vive sem a leitura". 

E para concluir esta minha pequena (ínfima) reflexão sobre a leitura e a escrita, cito mais uma ideia deste livro e que a autora refere que pertence a Samuel Johnson (conhecido por Doctor Johnson): "a maior parte da vida de um escritor é passada na leitura; depois uma pessoa revira metade de uma biblioteca para fazer um só livro."

domingo, 9 de agosto de 2020

Quem protege os idosos em Portugal?

in oeirasdigital.pt

Notícias sobre idosos são quase constantes nos meios de comunicação social e referem muitas vezes maus tratos, abandonos, falta de assistência a quem já deu o seu contributo uma vida inteira à sociedade, à família, ou até ao Estado, que, pelos vistos, não lhe presta grande atenção.

Ouvimos relatos inconcebíveis todos os dias ou vemos imagens constrangedoras nos meios televisivos, referentes a idosos! E no que diz respeito a Lares ou Residências para Idosos, em plena pandemia, então, nem se fala!

Esta é mais uma notícia igual ou semelhante a tantas outras! Todos temos de contribuir para que esta situação se inverta! Trata-se de seres humanos que deram o seu contributo individual toda uma vida! Com maus tratos e indiferença? Contribuíram com muito para que certos setores do quotidiano de todos nós, acontecesse! É assim que se lhes paga? Desprezando-os ou ignorando-os, como se fossem lixo?

Ao lermos estas notícias, arrepiamo-nos, revoltamo-nos com tamanhas injustiças!

"O que é feito da dona Isabel?" Vizinhos contam como deram pela falta de idosa que o filho terá deixado morrer à fome

Vizinhos estranharam a casa estar sempre fechada, mas não chamaram as autoridades porque o filho vivia com ela. Ele acabou preso, suspeito do homicídio da mãe por não ter cuidado dela

(ler mais in observador.pt de 06.08.2020, por Sónia Simões)


Grândola. Homem de 53 anos detido por deixar a mãe de 82 anos à fome até morrer 

Homem de 53 anos não trabalhava e recebia a pensão da mãe. A idosa de 82 anos já não saía do quarto e a PJ acredita que ele não a alimentava para que morresse. O suspeito ficou em prisão preventiva.

“Um cenário miserável de habitabilidade”. Foi assim que uma fonte da Polícia Judiciária de Setúbal descreveu ao Observador a casa em Grândola onde este fim de semana um homem de 53 anos foi detido por suspeito de ter morto a mãe, de 82, deixando-a aparentemente morrer à fome.Há cinco anos que o agora suspeito, filho único e sem ocupação profissional conhecida, tinha voltado à casa da mãe depois de um divórcio. Na altura a vítima ainda era vista na rua, com alguma autonomia, e era ela que fazia questão de se dirigir ao posto dos CTT para levantar a sua reforma. Segundo testemunhas no local à PJ, no entanto, há dois anos numa dessas idas aos correios sentiu-se mal e acabou por ter que ser assistida no hospital, apresentando já à data sinais de desidratação.

O tempo foi passando e os vizinhos viam-na cada vez menos. Também as persianas do quarto onde dormia eram cada vez menos abertas. Com a pandemia, no entanto, todos se recolheram em casa e o próprio carteiro começou a levar-lhe a reforma à porta. O filho mostrava o cartão de cidadão da mãe e recebia-a.

Pela hora de almoço do último sábado foi ele que ligou ao INEM dando conta de que a mãe teria morrido. Mas quando o INEM e a GNR chegaram ao local aperceberam-se logo de um cenário “miserável”. A PJ foi chamada ao local por se tratar de uma morte e suspeitou logo das circunstâncias da morte da idosa.

“Estava esquelética, subnutrida e com vários escaras no corpo, como quem está há muito tempo na mesma posição”, disse.

No entanto, o filho, esse não parecia subnutrido.

Nos últimos meses havia mesmo quem lhes levasse sacos a casa com bens alimentares, como a apurou a PJ numa primeira recolha de prova testemunhal. Mas essa comida, suspeita-se agora, nunca terá chegado à vítima. As autoridades acreditam que o seu filho quis que morresse à fome, para parecer uma morte natural. “Talvez por não ter coragem de lhe tirar a vida de uma forma mais violenta”, analisa fonte da PJ, que diz que o suspeito teve um discurso muito contraditório e pouco credível sobre os factos.
Perante as primeiras provas recolhidas, a PJ deteve o filho da vítima por suspeitas de homicídio qualificado, por acreditar que ele quis mesmo provocar a morte à mãe e nada fez para evitá-la. Foi mais que maus tratos, considera a PJ. Mantinha-a “fechada em casa e confinada ao quarto de dormir, privada de alimentos, bebida e cuidados de saúde, assistindo impávido ao degradar do seu estado, até à falência total dos órgãos vitais e consequente morte, no passado sábado”, lê-se no comunicado.

O suspeito foi segunda-feira presente a tribunal. O corpo da mãe ainda será autopsiado. A PJ acredita que não teria morrido muito tempo antes de o filho alertar as autoridades.

Segundo noticiou, entretanto, o jornal Correio da Manhã, o suspeito ficou em prisão preventiva, depois de ter deixado “a mãe idosa morrer à fome”.

(in observador.pt, 03.08.2020 texto por Sónia Simões)