Marcello Duarte Mathias, de 76 anos, é diplomata e escritor, ficcionista, memorialista, ensaísta e também autor de alguns diários.
Recebeu dois prémios, o de Jacinto Prado Coelho e o de D. Diniz, da Fundação Casa de Mateus.
Desempenhou na Argentina, na Unesco e na Índia, o cargo de Embaixador de Portugal!
Num dos seus diários, Diário da Abuxarda, escreveu o seguinte sobre Patrick Modiano, Prémio Nobel da Literatura:
"Abuxarda, quinta-feira, 9 de outubro 2014
Ao homenagear um autor como Modiano - o contrário do chamado intelectual engagé - a Academia de Estocolmo resistiu à tentação de valorizar a dimensão política como principal critério na atribuição do prémio.
Obcecado pela Paris da Ocupação alemã (1940-1944), a sua sensibilidade lembra por vezes, porque se alimentam de idêntico fascínio, a de François Truffaut, n'O Último Metro.
Simplesmente aqui está-se perante uma Paris a preto e branco, com recolher obrigatório, mercado negro, lojecas e estaminés, identidades fictícias por entre denúncias e desaparecimentos. Cenário noturno cruzado por sombras, esquinas e medos.
Um escritor é, antes de mais, um olhar, e o de Modiano é inconfundível. Foi também isso que os académicos suecos quiseram distinguir. Um tom, uma entoação, um timbre de voz, ressonância antiga que gravita, de livro em livro, em torno dos mesmos temas e gentes, à maneira de uma teimosa reminiscência, que não é senão o fantasma da sua memória perdida.
Toda a sua obra é um longo exílio circunscrito a meia dúzia de ruas dessa sua Paris crepuscular. Onde está a verdade e quem a saberá exumar...
Em meu entender, o melhor romance de Modiano, sucinto em extensão à semelhança de todos os seus livros, intitula-se Dora Bruder e inspira-se num facto verdadeiro: o percurso de uma rapariga judia que desaparece sem deixar rasto durante os anos da Ocupação alemã em Paris, vindo a morrer, juntamente com seus pais, em deportação.
A brevidade do estilo, o lado neutro, deliberadamenre cinzento das descrições, aliados a essa espécie de voz off que acompanha a progressão da narrativa, lembra pelo gosto e minúcia do pormenor, o relato de uma investigação policial. Procura de uma presença que é afinal a nossa própria sombra.
Dora Bruder - a alma gémea de Irène Némirovsky?" (in jornal de letras.sapo.pt 15 a 28 abril 2015)
Li a obra vencedora do Prémio Nobel de Literatura 2014, "L'Horizon", e concordo com a leitura que Marcello Duarte Mathias faz dela. Patrick Modiano escreve "à maneira de uma teimosa reminiscência, que não é senão o fantasma da sua memória perdida."
Vou ler, seguramente neste verão, "Dora Bruder", do mesmo autor!