sábado, 27 de abril de 2024

O novo governo mentiu sobre o IRS?

Abram alas ao novo 'enfant terrible' da política! A história polémica de Sebastião  Bugalho que passa de 'comentador' a 'comentado' - The Mag - FLASH!
Sebastião Bugalho
in: flash.pt

Com a "devida vénia", transcrevo um artigo que achei muito interessante e atual, de Sebastião Bugalho, e que me atrevo a partilhar:

"Too clever by half"

A "mentira" do novo governo acerca do IRS

O protagonista:

Há uma irresistível expressão britânica para descrever as últimas 72 horas da política portuguesa. Antes de escrever esta newsletter, revisitei o meu arquivo e comprovei que já a havia utilizado uma vez, em setembro de 2022, quando António Costa juntou uma revisão da fórmula das pensões aos apoios anunciados para, na altura, combater a inflação. “Too clever by half” foi a expressão que pedi emprestada ao Reino Unido, no sentido em que o então primeiro-ministro havia sido, de facto, “demasiado esperto por metade”. Com a imprensa económica e a oposição da esquerda a denunciarem de imediato o ensaio de corte nas pensões, os cheques da maioria absoluta contra a crise inflacionista viam-se envoltos em controvérsia. A esperteza do PS, naquele brotar de outono, ficara a meio caminho. António Costa, que Luís Marques Mendes anunciou como comentador-to-be este domingo, era mesmo “too clever by half”.

De um modo, e talvez não drasticamente, o seu sucessor no cargo herdou-lhe o gosto pelo gesto. Não por ter atentado contra a verdade (coisa que Costa, sobre o seu corte de pensões depois não concretizado, sempre fez…), mas por ter propositadamente permitido a perpetuação de uma dúvida. Na quinta-feira passada, dia 11 de abril, o deputado Bernardo Blanco (IL) perguntou na Assembleia da República ao novo ministro das Finanças: o alívio fiscal de 1500 milhões em sede de IRS que a AD anunciou é em cima do que está em vigor (deixado pelo PS) ou apenas a diferença entre um e o outro (a mais modesta quantia de 173 milhões de euros)?

Joaquim Miranda Sarmento não respondeu e, ao que pude apurar, também não esclareceu grande parte da imprensa especializada que procurou percebê-lo junto das Finanças ao longo do final da semana. No dia seguinte, por exemplo, o Público apontava: “Não é claro qual o impacto líquido da medida”. E não era claro porque o Governo não o clarificava.

O programa eleitoral, o programa do Governo e o discurso que Luís Montenegro proferiu no parlamento por esses dias eram, por outro lado, mais explícitos. A redução de 1500 milhões surge sempre com a salvaguarda “face ao ano passado” ou “face a 2023”. Na sua intervenção em plenário, o novo primeiro-ministro disse mesmo “perfazer uma diminuição global de cerca de 1500 milhões”, sendo o prefixo o busílis da questão que agora queima. “Perfazer” não equivale a “fazer”. Mas, quando confrontado com a diferença entre uma coisa e a outra, o Governo hesitou em desfazer o engodo. E, agora, é a oposição que o acusa de mentir aos portugueses. Comicamente, Pedro Nuno Santos celebrou o seu 47º aniversário no sábado, enquanto tudo se precipitava.

A questão seria sempre bicuda para o executivo, não tanto por parecer um recuo no seu “choque fiscal”, mas por desmentir a narrativa de que o país vivia em “asfixia” de impostos até o PS abandonar funções. Se vivemos verdadeiramente asfixiados, como é que o alívio do novo governo se resume a 173 milhões de euros? E se o PS era o autor da “asfixia”, como é que é o alívio fiscal da AD para este ano é seis vezes inferior ao dos socialistas?

Estas seriam perguntas legítimas, a que um primeiro-ministro com parco apoio parlamentar e reduzido espaço eleitoral teria de responder com pés e cabeça. A sua capacidade de comunicação, articulação e credibilização seriam ‒ serão ‒ determinantes. Ficar calado, está visto, não chega. Sendo mentira que se tenha mentido, não é verdade que se tenha sido verdadeiro.

Sem maioria absoluta, é mais difícil ‒ e mais perigoso ‒ ser aquilo que outros foram antes dele. Too clever. By half

Fonte: in Jornal Expresso 12 de abril de 2024

sexta-feira, 26 de abril de 2024

"Qual é a origem de "aderência" e de "adesão"? Para refletirmos no português correto...

O título deste post é uma dúvida que nos assalta a mente, muitas vezes. 

Normalmente, essas dúvidas surgem, quando temos de ser rápidos a usar o termo certo num determinado contexto. 

E muitas vezes, não é nada fácil, porque a língua portuguesa não só é uma língua difícil, rigorosa e algo "traiçoeira", mas também contém particularidades que a tornam única e distinta.

BNP - Assim ou assado
in: https://bibliografia.bnportugal.gov.pt

Ao pesquisar no livro Assim e assado, de Samuel Mira (*Sam The Kid) e o *Professor Marco Neves (baseado no podcast com o mesmo nome - 100 perguntas sobre a língua portuguesa, Oficina do Livro, outubro de 2022), encontrei a explicação que passo a transcrever:

As dus palavras vêm do verbo latino adhaesio que já significava colar na origem.

Quando passou para o português, os falantes deram uma volta às palavras muito própria. Durante muito tempo, "aderência" significava "favor, favorecimento, valimento, proteção"...

"Aderência " acabou por voltar a ter um significado mais parecido com o original, talvez por influência das outras línguas europeias.

O uso destas palavras acabou por se distinguir com o tempo, tendencialmente, tal como vimos acima.

No entanto, nunca se desligaram completamente. Nunca perderam a aderência...

Afinal, qual é a diferença entre adesão e aderência?

Esta é a forma como a maior parte das vezes se explica a diferença entre as duas palavras: "aderência" é para "materiais" e "adesão " para pessoas. (...)...

As distinções são criadas pelos próprios falantes. Se os falantes sentem necessidade dessas distinções, elas criam-se. Se não sentem, elas desaparecem e podemos usar outras palavras para fazer a distinção quando ela é necessária.

Se formos olhar para os dicionários, vemos que as duas palavras têm sentidos muito parecidos. Se um marciano aterrasse e consultasse dicionários de português, não encontraria grandes diferenças entre as palavras. A tal regra é, na verdade, uma tendência do uso. É uma regra de etiqueta da língua.

Samuel então perguntou ao Professor Marco Neves: 

"Uma outra questão...Se, quando pensam em "aderência", pensam em cola, porque é que não aceitam "aderência" com o sentido figurativo da palavra? Ou seja, se eu disser "Estou mesmo colado a esta série de televisão", ninguém questiona. Não, porque é um sentido figurativo. Porque é que as pessoas, se pensam que "aderência" é cola, não questionam quando estou "colado" a uma série?"

E a resposta do Professor foi

"Tens razão. para ser sincero, o que acontece aqui é que se criam certas ideias que depois ganham a sua força e, de repente, precisamente porque as pessoas têm medo que se lhes diga que estão a usar a forma errada, o medo é tanto que nem sequer se atrevem a usar a palavra de forma metafórica".

Ao que Samuel respondeu: "Exactamente, é o que acontece aqui. Por isso, insisto: não se esqueçam que esta palavra tem um sentido metafórico como "apoio; apego a uma ideia ou líder".

Samuel Mira - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Samuel Mira in: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/a
* Samuel Mira nasceu e vive em Chelas, Lisboa. É um artista multifacetado focado na cultura e um confesso curioso sobre a língua portuguesa. Músico, produtor, poeta, compositor, leitor, realizador e conversador. É um artista de renome em Portugal, conhecido por Sam the Kid. Em toda a sua carreira, à parte da música, desenvolveu uma relação muito própria com. língua em que comunica, desafiando-se a si próprio a encontrar novos caminhos na língua que permitissem inovar e ao mesmo tempo passar a sua mensagem de uma forma clara e acessível a todos. Comunicar é uma das suas artes, aonde, na sua opinião, não devia haver tantas barreiras.

* Marco Neves nasceu em Peniche e vive em Lisboa. Tem sete ofícios, todos virados para as línguas: tradutor, revisor, professor, leitor, conversador e autor. Não são sete? Falta este: é também pai, com o ofício de contar histórias. É Professor na NOVA FCSH, investigador na área das línguas e tradução e diretor da empresa de tradução Eurologos - Lisboa.É autor de vários livros sobre a língua. Escreve regularmente artigos na área da linguística na página Certas Palavras (www.certas palavras.pt) e crónicas semanais no Sapo 24.

Marco Neves - Bertrand Livreiros - livraria Online
Prof. Marco Neves
in : bertrand.pt

quinta-feira, 25 de abril de 2024

"Porque é abril"! E abril evoca a Liberdade...


imagens de liberdade de www.pinterest.pt

imagem: in www.pinterest.pt

Lula da Silva e os cravos vermelhos do 25 de abril em Portugal

imagem obtida in: pt.linkedin.com


Porque é Abril...

Liberdade querida e suspirada,

Que o Despotismo acérrimo condena; 

Liberdade, a meus olhos mais serena, 

Que o sereno clarão da madrugada!

Atende à minha voz, que geme e brada 

Por ver-te, por gozar-te a face amena; 

Liberdade gentil, desterra a pena

Em que esta alma infeliz jaz sepultada;

Vem, oh deusa imortal, vem, maravilha, 

Vem, oh consolação da humanidade,

Cujo semblante mais que os astros brilha;

Vem, solta-me o grilhão da adversidade; 

Dos céus descende, pois dos Céus és filha, 

Mãe dos prazeres, doce Liberdade!

BOCAGE

Celeste Caeiro, a mulher que deu os cravos à Revolução: “Está a ver os  soldados com os cravos? Fui eu que lhos dei”
imagem obtida in: pt.pinterest.com

terça-feira, 23 de abril de 2024

Hoje comemora-se o DIA MUNDIAL DO LIVRO

Costumamos ouvir dizer que os livros são os nossos melhores amigos e confidentes, pois são muito úteis no nosso dia-a-dia. 

Conseguem proporcionar-nos reflexões profundas e momentos de silêncio que, por vezes, dele tanto necessitamos, fazendo, ao mesmo tempo,  que se instale em nós, uma paz interior, espiritual, que nos reconforta.

Os livros transportam-nos a todas as partes do mundo, conseguem fazer-nos viajar para fora, mas "cá dentro de nós", sem precisarmos de sair do lugar em que nos encontramos! 

Só temos de nos concentrar na narrativa que nos está a ser contada e deixar a nossa imaginação correr. O livro é o nosso melhor "emissor", e quem gostar de ler, torna-se o "seu maior recetor". 

Com efeito, transmitem-nos muitos conhecimentos, muitas vezes completamente desconhecidos para nós. São um meio de transmissão de cultura e fundamentais para uma boa aprendizagem na escola. Só há que lhe dar continuidade, sempre... 

Nesta data comemorativa, o objetivo principal é o de reconhecermos a importância dos livros, servindo também de incentivo para que as pessoas criem bons hábitos de leitura.

A minha Pesquisa sobre este dia:

DIA MUNDIAL DO LIVRO E DOS DIREITOS DE AUTOR

O Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor assinala-se, anualmente, a 23 de abril. Este dia foi proclamado na 28.ª Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em 1995. 

​O propósito deste dia é encorajar a leitura e promover a proteção dos direitos de autor. Destaca-se ainda a importância dos livros enquanto elemento basilar da educação e do progresso de uma sociedade.

Esta data foi escolhida com base na lenda de São Jorge e o Dragão, adaptada para honrar a velha tradição catalã segundo a qual, neste dia, os cavaleiros oferecem às suas damas uma rosa vermelha de São Jorge (Sant Jordi) e recebem, em troca, um livro, testemunho das aventuras do heroico cavaleiro. Neste dia é, também, prestada homenagem à obra de grandes escritores, como Shakespeare, Cervantes e Inca Garcilaso de la Vega, falecidos em 1616, exatamente em abril.

Capital Mundial do Livro

A UNESCO designou Estrasburgo a Capital Mundial do Livro em 2024, destacando o facto de aquela cidade francesa usar o livro «como meio para enfrentar os desafios da coesão social e das alterações climáticas».

As cidades designadas como Capital Mundial do Livro da UNESCO comprometem-se a promover o livro e a leitura para todas as idades e grupos, dentro e fora das fronteiras nacionais, e a organizar um programa de atividades para o ano.

Celebrações Nacionais

in: eurocid.mne.gov.pt

A Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), em 2024, assinalam os 500 anos do nascimento de Camões, através de um cartaz comemorativo do Dia Mundial do Livro 2024. 

Luís de Camões foi uma figura singular no universo das letras portuguesas e um dos poetas mais proeminentes da literatura mundial. Esta comemoração não reverencia apenas o legado literário do poeta, mas também pretende destacar a vastidão do seu conhecimento e a influência duradoura que exerce sobre as culturas de língua portuguesa em todo o mundo.

Imagem: Unsplash, Jaredd Craig (adaptado)

Documentos

Proclamação do dia 23 de abril como Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor | UNESCO [en]

Links relacionados


segunda-feira, 22 de abril de 2024

Dois Papas e suas valiosas reflexões

 "A verdadeira força de uma pessoa 

vê-se na fidelidade com que ela 

é capaz de dar testemunho da verdade". 

Papa João Paulo II - JMJ Paris 1997

Há 19 anos São João Paulo II fazia sua páscoa - Comunidade Católica Shalom
imagem: in comshalom.org

"Neste mundo somos chamados a ver a fraternidade, 

não como utopia, mas como possibilidade real."

Papa João Paulo II - JMJ Toronto 2002


Former Pope Benedict XVI, the first to resign in centuries, dies aged 95 |  World News
imagem in news.sky.com

"Desde sempre, todas as pessoas aguardam 

no seu coração uma mudança,

uma transformação do mundo"

Papa Bento XVI - JMJ - Colónia 2005

"Somos verdadeiramente criados 

para aquillo que é grande, para o infinito.

Qualquer outra coisa é insuficiente."

Papa Bento XVI - JMJ Madrid 2011


"Estar verdadeiramente vivos 

é ser transformados a partir de dentro, 

permanecer abertos à força do amor de Deus."

Papa Bento XVI - JMJ - Sydney 2008

domingo, 21 de abril de 2024

Celebração do Dia do Bom Pastor - (21 de abril 2024)

A pintura
O Bom Pastor
de Bernhard Plockhorst

O Domingo do Bom Pastor ocorre no quarto domingo da época da Páscoa. O nome deriva da leitura do evangelho para o dia, que é tirada do décimo capítulo do Evangelho de João. Nesta leitura, Cristo é descrito como o "Bom Pastor" que dá a vida pelas suas ovelhas. O Salmo do dia é o Salmo 23, que também faz uso de imagens de pastor.

Na Liturgia latina tradicional (pré-1970) (ver Missa Tridentina), e no Livro de Oração Comum e também nos Lecionários e calendários luteranos, este Evangelho é definido para o 'Segundo Domingo após a Páscoa' (que é equivalente ao terceiro domingo de Páscoa).

No calendário litúrgico católico (romano) e no Lecionário Comum Revisado usado nas igrejas anglicana (episcopal), luterana e muitas outras igrejas protestantes, esta leitura do evangelho é definida para o quarto domingo de Páscoa (equivalente ao terceiro domingo após a Páscoa) e, portanto, alguns também chame este dia de "Domingo do Bom Pastor".

O quarto domingo de Páscoa também é mantido como Domingo das Vocações em muitas denominações religiosas.
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. (in pt.wikipedia.org)


Mensagem do Papa para o 61º Dia Mundial de Oração pelas Vocações (21 de abril de 2024)

O Domingo do Bom Pastor, que este ano se celebra a 21 de abril, é dedicado a rezar especialmente pelas várias vocações na Igreja. O Papa Francisco escreveu uma mensagem na qual nos recorda que cada um de nós, no seu próprio lugar, pode, com a ajuda do Espírito Santo, ser um semeador de esperança e de paz.Queridos irmãos e irmãs!

O Dia Mundial de Oração pelas Vocações convida-nos, cada ano, a considerar o precioso dom da chamada que o Senhor dirige a cada um de nós, seu povo fiel em caminho, pois dá-nos a possibilidade de tomar parte no seu projeto de amor e encarnar a beleza do Evangelho nos diferentes estados de vida. A escuta da chamada divina, longe de ser um dever imposto de fora – talvez em nome de um ideal religioso –, é antes o modo mais seguro que temos de alimentar o desejo de felicidade que trazemos no nosso íntimo: a nossa vida realiza-se e torna-se plena quando descobrimos quem somos, as qualidades que temos e o campo onde é possível pô-las a render, quando descobrimos que estrada podemos percorrer para nos tornarmos sinal e instrumento de amor, acolhimento, beleza e paz nos contextos onde vivemos.

Assim, este Dia proporciona-nos sempre uma boa ocasião para recordar, com gratidão, diante do Senhor o compromisso fiel, quotidiano e muitas vezes escondido daqueles que abraçaram uma vocação que envolve toda a sua vida. Penso nas mães e nos pais que não olham primeiro para si mesmos, nem seguem a tendência dum estilo superficial, mas organizam a sua existência cuidando das relações com amor e gratuidade, abrindo-se ao dom da vida e pondo-se ao serviço dos filhos e seu crescimento. Penso em todos aqueles que realizam, dedicadamente e em espírito de colaboração, o seu trabalho; naqueles que, em diferentes campos e de vários modos, se empenham por construir um mundo mais justo, uma economia mais solidária, uma política mais equitativa, uma sociedade mais humana, isto é, em todos os homens e mulheres de boa vontade que se dedicam ao bem comum. Penso nas pessoas consagradas, que oferecem a sua existência ao Senhor quer no silêncio da oração quer na atividade apostólica, às vezes na linha de vanguarda e sem poupar energias, servindo com criatividade o seu carisma e colocando-o à disposição de quantos encontram. E penso naqueles que acolheram a chamada ao sacerdócio ordenado, se dedicam ao anúncio do Evangelho, repartem a sua vida – juntamente com o Pão Eucarístico – pelos irmãos, semeiam esperança e mostram a todos a beleza do Reino de Deus.

Aos jovens, especialmente a quantos se sentem distantes ou olham a Igreja com desconfiança, gostaria de dizer: deixai-vos fascinar por Jesus, dirigi-Lhe as vossas perguntas importantes, através das páginas do Evangelho, deixai-vos desinquietar pela sua presença que sempre nos coloca, de forma benfazeja, em crise. Ele respeita mais do que ninguém a nossa liberdade, não Se impõe mas propõe-Se: dai-Lhe espaço e encontrareis a vossa felicidade no seu seguimento e, se vo-la pedir, na entrega total a Ele.

Um povo em caminho

A polifonia dos carismas e das vocações, que a Comunidade Cristã reconhece e acompanha, ajuda-nos a compreender plenamente a nossa identidade de cristãos: como povo de Deus em caminho pelas estradas do mundo, animados pelo Espírito Santo e inseridos como pedras vivas no Corpo de Cristo, cada um de nós descobre-se membro duma grande família, filho do Pai e irmão e irmã de seus semelhantes. Não somos ilhas fechadas em si mesmas, mas partes do todo. Por isso, o Dia Mundial de Oração pelas Vocações traz gravada a marca da sinodalidade: há muitos carismas e somos chamados a escutar-nos reciprocamente e a caminhar juntos para os descobrir discernindo aquilo a que nos chama o Espírito para o bem de todos.

Além disso, no momento histórico presente, o caminho comum conduz-nos para o Ano Jubilar de 2025. Caminhamos como peregrinos de esperança rumo ao Ano Santo, para, na descoberta da própria vocação e pondo em relação os diversos dons do Espírito, podermos ser no mundo portadores e testemunhas do sonho de Jesus: formar uma só família, unida no amor de Deus e interligada pelo vínculo da caridade, da partilha e da fraternidade.

Este Dia é dedicado de modo particular à oração para implorar do Pai o dom de santas vocações para a edificação do seu Reino: «Rogai ao dono da messe que mande trabalhadores para a sua messe» (Lc 10, 2). E, como sabemos, a oração é feita mais de escuta que de palavras dirigidas a Deus. O Senhor fala ao nosso coração e quer encontrá-lo aberto, sincero e generoso. A sua Palavra fez-Se carne em Jesus Cristo, que nos revela e comunica toda a vontade do Pai.

Neste ano de 2024, dedicado precisamente à oração como preparação para o Jubileu, somos chamados a descobrir o dom inestimável de poder dialogar com o Senhor, de coração a coração, tornando-nos assim peregrinos de esperança, porque «a oração é a primeira força da esperança. Tu rezas e a esperança cresce, avança. Diria que a oração abre a porta à esperança. A esperança existe, mas com a minha oração abro a porta» (Francisco, Catequese, 20/V/2020).

Peregrinos de esperança e construtores de paz

Mas que significa ser peregrinos? Quem empreende uma peregrinação procura, antes de mais nada, ter clara a meta, e conserva-a sempre no coração e na mente. Mas, para atingir esse destino, é preciso ao mesmo tempo concentrar-se no passo presente: para o realizar, é necessário estar leve, despojar-se dos pesos inúteis, levar consigo apenas o essencial e esforçar-se cada dia por que o cansaço, o medo, a incerteza e a escuridão não bloqueiem o caminho iniciado. Por isso ser peregrino significa partir todos os dias, recomeçar sempre, reencontrar o entusiasmo e a força de percorrer as várias etapas do percurso que, apesar das fadigas e dificuldades, sempre abrem diante de nós novos horizontes e panoramas desconhecidos.

Este é precisamente o sentido da peregrinação cristã: estamos em caminho à descoberta do amor de Deus e, ao mesmo tempo, à descoberta de nós mesmos, através duma viagem interior, mas sempre estimulados pela multiplicidade das relações. Portanto, peregrinos porque chamados: chamados a amar a Deus e a amar-nos uns aos outros. Assim, o nosso caminho sobre esta terra nunca se reduz a uma labuta sem objetivo nem a um vaguear sem meta; pelo contrário, cada dia, respondendo à nossa chamada, procuramos realizar os passos possíveis rumo a um mundo novo, onde se viva em paz, na justiça e no amor. Somos peregrinos de esperança, porque tendemos para um futuro melhor e empenhamo-nos na sua construção ao longo do caminho.

Tal é, em última análise, a finalidade de cada vocação: tornar-se homens e mulheres de esperança. Como indivíduos e como comunidade, na variedade dos carismas e ministérios, todos somos chamados a «dar corpo e coração» à esperança do Evangelho neste mundo marcado por desafios epocais: o avanço ameaçador duma terceira guerra mundial aos pedaços, as multidões de migrantes que fogem da sua terra à procura dum futuro melhor, o aumento constante dos pobres, o perigo de comprometer irreversivelmente a saúde do nosso planeta. E a tudo isto vêm ainda juntar-se as dificuldades que encontramos diariamente com o risco de nos precipitar, às vezes, na resignação ou no derrotismo.

Por isso é decisivo, para nós cristãos, cultivar um olhar cheio de esperança no nosso tempo, para podermos trabalhar frutuosamente respondendo à vocação que nos foi dada ao serviço do Reino de Deus, Reino do amor, de justiça e de paz. Esta esperança – assegura-nos São Paulo – «não engana» (Rm 5, 5), porque se trata da promessa que o Senhor Jesus nos fez de permanecer sempre connosco e de nos envolver na obra de redenção que Ele quer realizar no coração de cada pessoa e no «coração» da criação. Tal esperança encontra o seu centro propulsor na Ressurreição de Cristo, que «contém uma força de vida que penetrou o mundo. Onde parecia que tudo morreu, voltam a aparecer por todo o lado os rebentos da ressurreição. É uma força sem igual. É verdade que muitas vezes parece que Deus não existe: vemos injustiças, maldades, indiferenças e crueldades que não cedem. Mas também é certo que, no meio da obscuridade, sempre começa a desabrochar algo de novo que, mais cedo ou mais tarde, produz fruto» (Francisco, Exort. ap. Evangeliigaudium, 276). E o apóstolo Paulo afirma ainda que fomos salvos na esperança (cf. Rm 8, 24). A redenção realizada na Páscoa dá a esperança, uma esperança certa, fiável, com a qual podemos enfrentar os desafios do presente.

Então ser peregrinos de esperança e construtores de paz significa fundar a própria existência sobre a rocha da ressurreição de Cristo, sabendo que todos os nossos compromissos, na vocação que abraçamos e levamos por diante, não caiem no vazio. Apesar dos fracassos e retrocessos, o bem que semeamos cresce de modo silencioso e nada pode separar-nos da meta última: o encontro com Cristo e a alegria de viver na fraternidade entre nós por toda a eternidade. Esta vocação final, devemos antecipá-la cada dia: a relação de amor com Deus e com os irmãos e irmãs começa desde agora a realizar o sonho de Deus, o sonho da unidade, da paz e da fraternidade. Que ninguém se sinta excluído desta chamada! Cada um de nós, no seu lugar próprio, no seu estado de vida, pode ser, com a ajuda do Espírito Santo, um semeador de esperança e de paz.

A coragem de se envolver

Por tudo isso digo mais uma vez, como durante a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa: «rise up – levantai-vos!» Despertemos do sono, saiamos da indiferença, abramos as grades da prisão em que por vezes nos encerramos, para que possa cada um de nós descobrir a própria vocação na Igreja e no mundo e tornar-se peregrino de esperança e artífice de paz! Apaixonemo-nos pela vida e comprometamo-nos no cuidado amoroso daqueles que vivem ao nosso lado e do ambiente que habitamos. Repito-vos: tende a coragem de vos envolver! Padre Oreste Benzi, apóstolo incansável da caridade, sempre da parte dos últimos e indefesos, repetia que ninguém é tão pobre que não tenha algo para dar, e ninguém é tão rico que não precise de receber alguma coisa.

Levantemo-nos, pois, e ponhamo-nos a caminho como peregrinos de esperança, para que também nós, como fez Maria com Santa Isabel, possamos comunicar boas-novas de alegria, gerar vida nova e ser artesãos de fraternidade e de paz.

Roma, São João de Latrão, no IV Domingo de Páscoa, 21 de abril de 2024.

FRANCISCO

REFERÊNCIA:
encontrei in opusdei.org