Sebastião Bugalho
in: flash.pt
Com a "devida vénia", transcrevo um artigo que achei muito interessante e atual, de Sebastião Bugalho, e que me atrevo a partilhar:
"Too clever by half"
A "mentira" do novo governo acerca do IRS
O protagonista:
Há uma irresistível expressão britânica para descrever as últimas 72 horas da política portuguesa. Antes de escrever esta newsletter, revisitei o meu arquivo e comprovei que já a havia utilizado uma vez, em setembro de 2022, quando António Costa juntou uma revisão da fórmula das pensões aos apoios anunciados para, na altura, combater a inflação. “Too clever by half” foi a expressão que pedi emprestada ao Reino Unido, no sentido em que o então primeiro-ministro havia sido, de facto, “demasiado esperto por metade”. Com a imprensa económica e a oposição da esquerda a denunciarem de imediato o ensaio de corte nas pensões, os cheques da maioria absoluta contra a crise inflacionista viam-se envoltos em controvérsia. A esperteza do PS, naquele brotar de outono, ficara a meio caminho. António Costa, que Luís Marques Mendes anunciou como comentador-to-be este domingo, era mesmo “too clever by half”.
De um modo, e talvez não drasticamente, o seu sucessor no cargo herdou-lhe o gosto pelo gesto. Não por ter atentado contra a verdade (coisa que Costa, sobre o seu corte de pensões depois não concretizado, sempre fez…), mas por ter propositadamente permitido a perpetuação de uma dúvida. Na quinta-feira passada, dia 11 de abril, o deputado Bernardo Blanco (IL) perguntou na Assembleia da República ao novo ministro das Finanças: o alívio fiscal de 1500 milhões em sede de IRS que a AD anunciou é em cima do que está em vigor (deixado pelo PS) ou apenas a diferença entre um e o outro (a mais modesta quantia de 173 milhões de euros)?
Joaquim Miranda Sarmento não respondeu e, ao que pude apurar, também não esclareceu grande parte da imprensa especializada que procurou percebê-lo junto das Finanças ao longo do final da semana. No dia seguinte, por exemplo, o Público apontava: “Não é claro qual o impacto líquido da medida”. E não era claro porque o Governo não o clarificava.
O programa eleitoral, o programa do Governo e o discurso que Luís Montenegro proferiu no parlamento por esses dias eram, por outro lado, mais explícitos. A redução de 1500 milhões surge sempre com a salvaguarda “face ao ano passado” ou “face a 2023”. Na sua intervenção em plenário, o novo primeiro-ministro disse mesmo “perfazer uma diminuição global de cerca de 1500 milhões”, sendo o prefixo o busílis da questão que agora queima. “Perfazer” não equivale a “fazer”. Mas, quando confrontado com a diferença entre uma coisa e a outra, o Governo hesitou em desfazer o engodo. E, agora, é a oposição que o acusa de mentir aos portugueses. Comicamente, Pedro Nuno Santos celebrou o seu 47º aniversário no sábado, enquanto tudo se precipitava.
A questão seria sempre bicuda para o executivo, não tanto por parecer um recuo no seu “choque fiscal”, mas por desmentir a narrativa de que o país vivia em “asfixia” de impostos até o PS abandonar funções. Se vivemos verdadeiramente asfixiados, como é que o alívio do novo governo se resume a 173 milhões de euros? E se o PS era o autor da “asfixia”, como é que é o alívio fiscal da AD para este ano é seis vezes inferior ao dos socialistas?
Estas seriam perguntas legítimas, a que um primeiro-ministro com parco apoio parlamentar e reduzido espaço eleitoral teria de responder com pés e cabeça. A sua capacidade de comunicação, articulação e credibilização seriam ‒ serão ‒ determinantes. Ficar calado, está visto, não chega. Sendo mentira que se tenha mentido, não é verdade que se tenha sido verdadeiro.
Sem maioria absoluta, é mais difícil ‒ e mais perigoso ‒ ser aquilo que outros foram antes dele. Too clever. By half
Fonte: in Jornal Expresso 12 de abril de 2024
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