Fui convidada para a Ceia de Natal da escola onde trabalhei durante vinte e três anos, como professora de Língua Portuguesa e Língua Estrangeira (Francês).
O facto de ali me encontrar de novo e para um convívio, suscitou em mim muitas recordações, não só de um passado mais distante, como de um outro mais recente.
Senti-me muito feliz não só por rever o espaço físico onde, outrora, todos os dias dava o meu contributo para a sociedade, principalmente na formação e aprendizagem de que necessitavam muitos dos nossos queridos jovens portugueses, como também, por rever todos os colegas e funcionários que fizeram parte do meu dia-a-dia, durante tanto tempo, o que, com a ajuda deles, me permitiu concretizar esse papel com o máximo de dedicação!
Sim, porque eu adorava a minha profissão - SER PROFESSORA! Quando alguns colegas, às vezes, me perguntavam se ainda me faltava muito para a aposentação, a minha resposta era sempre: "Eu, aposentar-me? Nunca! Hei-de "cair" em frente aos alunos, numa sala de aula, já bem velhota e de bengala...".
Isto, porque sempre achei que ia mesmo continuar a ser professora, indefinidamente, a dedicar-me por inteiro aos alunos, à preparação das aulas, à lecionação, às atividades que adorava desenvolver com as turmas, enfim, a transmitir saberes e valores - ser professora e educadora, em sentido lato!
O que aconteceu foi que, a dada altura, a burocracia excessiva, os papéis, os relatórios, as reuniões constantes, as estatísticas... soaram mais alto; quer dizer, tiravam-me muito daquela concentração, atenção e dedicação que se exige numa profissão deste género, em detrimento do público-alvo mais importante - os alunos!
Comecei a sentir que aquilo que era o essencial para mim, me estava a fugir, acompanhado de um grande vazio e desencantamento; tive ainda tempo suficiente de permanência na profissão, para perceber que a situação era irreversível e cada vez piorava mais!
Por isso, após reflectir muito, resolvi pedir a aposentação. Foi há quinze meses. Nos últimos anos, a situação que se gerou no ensino, imposto pela tutela, e acompanhada de múltiplas directivas em catadupa, algumas delas quase impossíveis de as aplicar na prática, ocasionando imensos conflitos na classe, nos pais e nos alunos, fez com que eu optasse por me afastar, pois começou a instalar-se dentro de mim, um grande mal-estar - era algo contra-natura! E como eu estava dentro das condições que a lei exigia para me poder aposentar, decidi fazê-lo!
Sei que a sociedade evolui e arrasta transformações. Tem de haver mudanças e estas trazem sempre alguma dor. Nessas alturas, há sectores que sofrem mais do que outros - o da Educação foi um deles. Reconheço, no entanto, que houve algumas medidas positivas.
Agora, mais do que nunca, penso que toda a sociedade tem um dever importante e prioritário a cumprir - contribuir para ajudar a melhorar a educação/o ensino, as condições nas escolas, para bem das gerações futuras, vítimas das grandes convulsões que se estão a sentir no nosso país.
Dei comigo a fazer estas reflexões, ao mesmo tempo que, com alguma intensidade, revia as salas, os recreios, os pavilhões, e toda aquela massa humana! Fora ali que eu trabalhara oficialmente. Tantas saudades! Tantas recordações!
Mas também dou comigo a pensar que, particularmente, continuarei a ser professora, para o resto da minha vida; sim, continuo ligada ao ensino, ao estudo, aos saberes. Ensino sempre que mo solicitam, e também estudo e frequento estabelecimentos de ensino que me fazem manter atualizada em relação às áreas em que me licenciei; e aproveito para alargar os meus horizontes, inscrevendo-me noutras que muito me interessam: com isso, também estou a fazer e a aprender coisas diferentes. Logo, ESTOU OCUPADA!
Pois é: não consegui impedir que tudo isto afluísse ao meu espírito, ao mesmo tempo que convivia com todos os que se encontravam na Ceia de Natal; e garanto que éramos umas largas centenas: os mais recentes na escola e os da "velha guarda" que respondem sempre à chamada - estávamos todos juntos falando de tudo: dos alunos, das famílias, da escola, dos nossos filhos e já dos nossos netos! E houve recordações de tempos tão bons, que fizeram assomar algumas lágrimas aos nossos olhos...
Houve alguém que me disse estar felicíssimo de ali ver os "mais velhos" da casa, a maior parte já aposentados, porque ao ter regressado, depois de alguns anos de ausência, sentira, nos primeiros dias, que não reconhecia a sua escola; para essa pessoa, esta estava como que descaracterizada, pois só vira caras novas, desconhecidas para ela, e não era assim que se lembrava daquele espaço, para onde sempre quisera regressar. Onde estavam os mais velhos, os mais antigos da casa? Procurou-os, mas veio a saber que já se tinham retirado... Só sabe que lhe custou muito a "re-ambientar-se". Isto é bem significativo do que começou a passar-se nas escolas, a partir de certa altura! Era mesmo preciso que isto acontecesse? Ficou-se melhor?
Bem, já me alonguei muito com este desabafo, provocado por esta visita à "casa-mãe". É altura de referir que, apesar de tudo, o sentimento do Natal esteve sempre presente nesta grande Ceia; cada ano pode ser diferente, as dificuldades e os obstáculos podem surgir, mas o sentimento da quadra natalícia entre os professores nas escolas, permanece o mesmo - um sentimento de união e de fraternidade que lhes dá força para enfrentar duros obstáculos e continuar na profissão!
No grande refeitório, os alunos dos Cursos de Cozinha, ajudados pelos seus professores, uma vez mais brilharam na confeção de tão variado menu, já muito empenhados nas suas novas responsabilidades! Não tiveram mãos a medir.
E não posso deixar de referir quão linda estava a sala onde decorreu o convívio desta grande família, finamente ornamentada por algumas das professoras de Educação Visual. O ambiente estava inundado de uma média luz, em tons lilás e violeta, com o brilho e a cintilação das velas dentro de peças envidraçadas; e que dizer dos arranjos florais, do pormenor dos guardanapos enrolados e presos com alfinetes de cabeça pérola? e os carnets com o menu completo? Quelle finesse!
No final, o habitual espetáculo de variedades também não faltou.
Estão todos, uma vez mais, de parabéns: direcção, professores, alunos, funcionários... não só por conseguirem reunir tão grande família, como também pela riqueza da decoração e deliciosas iguarias que nos fizeram degustar!
Parabéns e até para o ano!