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Quem assistiu na semana passada às sessões do inquérito parlamentar a Joe Berardo na televisão, não pode ter deixado de ficar "escandalizado" com os seus modos irreverentes (embora já bem conhecidos) e do ar de quem sabe tudo e tem razão em tudo... os outros mortais é que não percebem nada seja lá do que for, muito menos de negócios com muitos números...
Abençoados jornalistas e cronistas que andam a vasculhar tudo sobre "o senhor", tentando esclarecer os leitores de quem ele é verdadeiramente e o que tem sido a sua vida até aqui; é bom, para ficarmos a saber bem como se movem certas "personagens" tidas como "importantes" no nosso país. Pois se até recebem condecorações, também é justo que saibamos quem são essas pessoas tão "especiais". É um direito que nos assiste!
Vamos lá então, conhecer bem os dados desta saga que está a chocar Portugal inteiro. Só não se sabe é quando a referida "saga" conhecerá o seu final... "pela "amostra", vamos ter muitos episódios pela frente e a ficar a conhecer todos os pormenores, pois estes, aos poucos, lá vão surgindo em cada dia...graças ao jornalismo de investigação. Claro que por estes dias, não se fala de outra coisa...
Depois de procurar na NET, selecionei o seguinte in newsletters@observador.pt
a 13/05/2019 Macroscópio por José Manuel Fernandes, Publisher:
"Não foi há muito tempo – foi no final de Janeiro – nem foi em segredo – foi no programa televisivo de grande audiência. Recordo a descrição então feita aqui no Observador por Miguel Pinheiro: "À entrada de um palácio onde um dos filhos de D. João I, o Mestre de Aviz, fez a sua “casa de campo”, Manuel Luís Goucha olhou para a câmara e perguntou, sem vestígio de ironia: “500 anos depois, quer saber quem é o dono disto tudo?”. O “dono daquilo tudo” abriu a porta com um sorriso (houve muitos sorrisos) e um cachecol Carolina Herrera à volta do pescoço. Sem incómodo por tamanha exposição, o “comendador” Berardo, conhecido mundialmente pelo seu desmesurado amor às artes, mostrou alguns dos seus quadros, mostrou um contador alemão e mostrou o seu jardim ao estilo Renascimento italiano. Como brinde para os telespectadores, que estavam transidos no sofá, filosofou — insistindo que "nada nos pertence".
Como sabem os leitores desta newsletter não é comum eu iniciá-la directamente com uma citação, mas neste caso justificava-se – é que se não sei quantos deputados da comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos terão assistido a esta prestação, sei que se não se pode dizer que não estivessem avisados para o que aí vinha.
E o que aí vinha foi uma audição parlamentar – cujos pontos essenciais pode recordar em A audição de Joe Berardo em cinco momentos e uma "perseguição já fora do Parlamento" – que ficará certamente na história da Assembleia da República como um dos seus momentos mais embaraçosos, para dizer o mínimo. E refiro que os deputados podiam estar preparados para o que teriam de enfrentar porque aquele programa fora para o ar exactamente na altura em eram conhecidas as condições dos empréstimos ruinosos do banco público – condições que, no caso de Berardo foram descritas minuciosamente pelo Observador no especial de Ana Suspiro e Nuno Vinha Dívida milionária de Berardo renegociada apesar de sinal vermelho da Direção de Risco.
Esse programa de Manuel Luís Goucha era ainda mais chocante por nele Joe Berardo explicar como adquirira um quadro que a BBC destacara recentemente como mostrando Lisboa no centro da primeira globalização. Uma pintura que deveria estar no Museu Nacional de Arte Antiga, mas que ele tem em casa para mostrar na TVI – o mesmo Berardo que diz só possuir uma garagem no Funchal e filosofa sobre “nada nos pertencer” quando deixou dívidas de quase mil milhões de euros na Caixa, no BCP e no Novo Banco.
Como é natural não há forma de escapar à forma como respondeu aos deputados, que já mereceu comentários do Presidente da República. ("É preciso ser respeitoso. E isso significa tratar as instituições com decoro") e do primeiro-ministro (País está todo chocado com o desplante de Joe Berardo). E que não escapou ao humor mordaz de Ricardo Araújo Pereira e da sua equipa do Gente que Não Sabe Estar, que esta semana esteve imperdível.
Mas tentemos responder a algumas questões que certamente muitos se colocarão. A primeira de todas é como foi possível. A resposta ainda está por dar. A resposta têm de dá-la todos os que se deixaram enfeitiçar por alguém que desde o primeiro minuto não disfarçou o tipo de “empresário” que era. Recentemente Vasco Pulido Valente recordou-o no diário que edita no Público:
"Vi uma vez o malfeitor do dia, Joe Berardo, no restaurante de um hotel de luxo. Estava todo vestido de preto, com uma boina preta na cabeça e calçado com uma espécie de sapatilhas. À volta dele, vinha uma comitiva também vestida de preto, que parecia um bando de lacaios. Não precisei de ver mais nada para saber que nunca emprestaria um centavo àquela criatura. Foi isto em meados dos anos 90".
Mas o cronista não é banqueiro, e os banqueiros pelos vistos nunca se incomodaram com alguns dos seus hábitos, como aqueles de que dava conta Vanessa Rato num perfil escrito para o Público em 2007 (repito: 2007) ele era alguém que “não se coíbe de tratar uma ministra por "babe" e de, a meio de negociações que envolvem milhões, lhe lançar à cara um sonoro "dahhhh" (o mesmo que lhe chamar parva, mas com menos letras).” Ou seja, o estilo do “comendador”, como reverencialmente era tratado, não mudou, como também se pode verificar lendo a entrevista que deu a Ana Taborda da Sábado em Novembro de 2016 e a revista agora repescou: "Preferia morrer a vender a coleção Berardo aos pedaços". Nela falava dos cinco museus que possuía – fora a Colecção Berardo – e dos dois que tencionava abrir, mas quanto ao dinheiro que se volatilizara só tinha a dizer que... “a responsabilidade do bad banking é das pessoas que fizeram os empréstimos.”
A história de como Berardo ganhou muito e depois foi um dos peões na luta pelo controle da banca portuguesa ainda terá episódios por contar, mas uma das pessoas que a conhecerá melhor é Helena Garrido, pelo que recomendo o que escreve hoje no Observador, Berardo e os gestores de papel.
No essencial o que se passou foi um “faz de conta” onde desapareceram muitos milhares de milhões de euros: “Foi esse “faz de conta” que se viveu na passagem do século XX para o século XXI e que só agora começa a chegar ao fim. Um “faz de conta” em dois actos. No primeiro acto finge-se que há banqueiros e empresários de sucesso que afinal só têm dívidas. No segundo acto os bancos tentam disfarçar as perdas com as dívidas desses banqueiros e empresários construídos com crédito.No processo das máscaras que iam construindo, os bancos permitiram que esses grandes devedores fizessem desaparecer tudo o que pudesse ser penhorado.” É que Berardo esteve longe de ser o único a conseguir fazer desaparecer as suas dívidas.
Pedro Sousa Carvalho, do Eco, recordou em O WC e a garagem de Joe Berardo, outros casos: “Nuno Vasconcellos que pediu 1,2 mil milhões emprestados à banca, chegou a ter 10% da Portugal Telecom, mas quando o tribunal foi executar a dívida ao BCP "apenas encontrou uma mota de água em seu nome.” Ou “Ricardo Salgado que foi chamado a tribunal e afirmou que é a filha, Catarina Salgado, quem lhe paga as contas: “Não tenho praticamente reforma e a minha mulher não tem atividade”. O mesmo Salgado que continua a ir passar férias à neve na Suíça”. Ou ainda Oliveira e Costa que se divorciou da mulher “para evitar que este fosse arrestado pela Justiça. Há quem case por amor ou por dinheiro. Oliveira e Costa divorciou-se por amor e por dinheiro.”
Claro que tudo isto não aconteceu sem muitas cumplicidades, e sugiro aos mais curiosos que vejam quem se passeava em redor de Joe Berardo e José Sócrates aquando da inauguração da Colecção Berardo em Junho de 2007, nesta reportagem da RTP.
Curiosamente também lá está outro dos grandes devedores da banca, curiosamente, ou talvez não, Berardo diz que fez um mau negócio, e por aí adiante. Recordar é viver, porque hoje a sensação é de impotência, bem expressa na crónica de João Miguel Tavares no Público, Joe Berardo, o homem que não tem dívidas: “Estamos nisto. Caixa, BCP e Novo Banco reclamam a Joe Berardo 962 milhões de euros, e ele continua a mostrar a Quinta da Bacalhôa – que não é dele, claro está – a Manuel Luís Goucha, nas manhãs da TVI. Há um mês, na mesma comissão, Eduardo Paz Ferreira disse não acreditar que a garantia da Caixa sobre a colecção algum dia conseguisse ser executada. Agora percebi porquê. O Estado ostenta com grande prestígio no CCB o nome de um dos maiores devedores do Estado; e o Estado contribui (via acordo da colecção) para que o Estado não possa recuperar o dinheiro que lhe é devido. Giro, não? Senhoras e senhores, bem-vindos a Portugal.”
E é isto. Veremos se algum dia alguma coisa se recuperará. Para já despeço-me com votos que, ao menos, fiquem com mais dados sobre uma saga muito longe de conhecer um fim feliz. Bom descanso."