sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Era imperioso fechar as escolas no momento certo

imagem in publico.pt



Ao acompanhar todo este drama no nosso país em que a Covid 19 parece não querer desaparecer, senti um grito de revolta dentro de mim, e uma necessidade de dizer aquilo que Mafalda Anjos, Diretora da Revista Visão expõe no seu Editorial de 21.01.2021. 

Será que posso dizer que faço minhas as suas palavras? Com a devida vénia, transcrevo o que a Diretora da VISÃO escreveu, partilhando aqui o seu pensamento, o seu sentimento, a sua opinião em relação à atuação do Governo sobre as nossas Escolas.  

Escolas, trilemas e falhanços

Quando as escolas reabriram em setembro, foi anunciado que tudo estava pronto para se regressar ao ensino à distância ou a um regime misto se necessário. Foi dito que seriam colmatadas as necessidades das famílias desfavorecidas, esforço este que, digo eu, as empresas de telecomunicações deviam solidariamente comparticipar. E o que foi feito até agora? Se não foi feito o suficiente para se poder agora fazer este recuo, é grave. Como são preocupantes os sinais de algum desnorteio do Governo e de falta de capacidade de antecipação e resposta

Se um dilema é complicado de gerir, uma escolha difícil entre três opções – cada uma das quais, pelo menos à primeira vista – inaceitável, é ainda pior. É precisamente um trilema o que vivemos neste momento em Portugal. É impossível atender às necessidades da Saúde, do Ensino e da Economia sem colocar em causa algum destes valores essenciais. Em março, o Governo deu prioridade absoluta à Saúde, abalando drasticamente a Economia e o Ensino. Mas desde o verão que tenta manter em equilíbrio este trilema, sem o descentrar. Foi isso que pesou no regresso às escolas e na permissão de um Natal e Ano Novo mais folgados, apesar dos números altos de contágios. Facilitou, confiando – demais – na cidadania e no bom senso dos portugueses, que faltaram.

Chegados agora ao ponto em que nos encontramos, já não é possível equilibrar este trilema. Com uma média de dez mil novos contágios e a desoladora marca atingida dos 218 mortos num só dia, estamos numa condição alarmante. A situação sanitária atingiu um ponto de não retorno, com os hospitais no limite e os cuidados intensivos prestes a esgotarem.

As contas são claras. Sabemos que em Portugal, em média, por cada dia com dez mil novos casos, chegarão à unidades de cuidados intensivos (UCI) 150 pessoas dez dias mais tarde. Em dez dias nestes valores, 1 450 doentes terão necessidade de entrar nas UCI. É uma catástrofe anunciada que nos espera.

Isto estava à vista no dia 10, quando o Governo anunciou as novas medidas de confinamento, cheias de exceções. E estava claramente à vista na segunda-feira passada, quando as reforçou timidamente, perante o incumprimento generalizado. Este reforço, estabelecido num conselho de ministros extraordinário, foi um reconhecimento do falhanço da autoridade do Estado e das medidas inicialmente decretadas. Os moldes em que foi feito um novo e evitável falhanço. António Costa optou por manter o discurso e dar uns retoques cosméticos ao confinamento light decretado, não tocando no elefante na sala: as escolas abertas.

Este é um erro com consequências que vamos pagar caro. E ao fazê-lo, por claro compromisso ideológico, António Costa cometeu um fatal erro político. A ideologia e os valores têm muita força, mas há momentos em que a realidade tem ainda mais. Não fechar as escolas no momento certo, uma enorme comunidade que mexe com 2,5 milhões de pessoas, será para sempre apontado como a falha decisiva deste Governo na hora H. Todos os epidemiologistas de referência são claros: para travar a fundo a escalada de casos imparável é preciso encerrar os estabelecimentos de ensino, pelo menos a partir dos 13 anos. Há cada vez mais infetados dos 13 aos 24 anos, e a faixa etária dos 18 aos 24 tem sido, na segunda e terceira vagas, a que tem maior incidência. Ao invés de olhar a estes números e alertas dos especialistas, o Governo agarra-se a ideias feitas por comprovar: as de que os contágios não são feitos nas escolas. Nem isso é certo – não há quaisquer estudos que o comprovem e as crianças são, na sua esmagadora maioria, assintomáticas –, nem isso nesta fase é o determinante. Mesmo que o problema original nesta escalada da Covid-19 não esteja nas escolas, travá-la implica agora reduzir ao máximo todos os contactos. Um estudo publicado na Science em dezembro determinou que, só por si, o fecho das escolas e universidades reduz o Rt em 38 por cento.

Fechar as escolas, ou parte delas, é uma medida odiosa. Ninguém duvida de que põe em causa a justiça social e afeta sobretudo os mais desfavorecidos, e é por isso que todos os países o quiseram evitar. Sabemos que há muitos miúdos que só comem uma refeição decente por dia nas escolas. Sabemos que boa parte do País não tem computadores nem internet em casa. Mas há formas de contornar isso. Estamos a falar de um mês, e não de um trimestre inteiro. O calendário escolar pode ser alterado, fechando agora e abrindo nas férias da Páscoa. E as escolas podem manter-se abertas para atender às situações mais carenciadas e para assistência alimentar.

Há também um ponto fundamental: quando as escolas reabriram em setembro, foi anunciado que tudo estava pronto para se regressar ao ensino à distância ou a um regime misto se necessário. Foi dito que seriam colmatadas as necessidades das famílias desfavorecidas, esforço este que, digo eu, as empresas de telecomunicações deviam solidariamente comparticipar. E o que foi feito até agora? Se não foi feito o suficiente para se poder agora fazer este recuo, é grave. Como são preocupantes os sinais de algum desnorteio do Governo e de falta de capacidade de antecipação e resposta. O cansaço e a saturação são gerais, mas, mais do que nunca, temos de nos recentrar e atacar o problema com determinação. Isto não vai lá de outra forma.

(in VISAO.SAPO.PT   21.01.2021)

domingo, 17 de janeiro de 2021

Uma meditação do Imperador Romano Marco Aurélio para reflexão neste domingo

Ao acordar pela manhã, diz a ti próprio: hoje, vou deparar-me com intromissões, ingratidão, arrogância, desonestidade, inveja e avareza - tudo isto por parte de quem não sabe distinguir entre o bem e o mal. Mas eu já vi a beleza do bem e o horror do mal,  e percebi que a natureza de quem pratica esse mal é semelhante à minha - não do mesmo sangue ou berço, mas com a mesma mente e dotado de uma parcela do divino; e assim sendo, nenhuma destas coisas pode ferir-me, ninguém pode envolver-me no que é feio. Nem eu posso ficar zangado com o meu semelhante ou odiá-lo, porque nascemos para trabalhar juntos, tal como os pés, as mãos e os olhos, como as duas fileiras de dentes, os de cima e os de baixo. Criar dificuldades uns aos outros é contra as leis da natureza. Estar aborrecido com alguém, voltar-lhe as costas: estas são obstruções.

in MEDITAÇÕES, de Marco Aurélio, Imperador Romano - Cultura Editor, 2017


in historiasderoma.com


Quem foi Marco Aurélio?

Em 26 de abril de 121 D.C., nasceu, em Roma, Marcus Annius Verus (Marco Aurélio), filho de Marcus Annius Verus (III) e Domitia Lucilla, a Jovem. Ao avô, Marco Aurélio também se mostra agradecido, por lhe ter ensinado a ter “bom caráter e evitar o mau gênio”.

Como bom jovem aristocrata romano, a educação básica de Marco Aurélio, dos sete aos onze anos, ficou a cargo de tutores, sabendo-se que dois deles se chamavam Euphoric e Geminus.

Com doze anos, a educação de Marco Aurélio passou para dois grammatici, e ele também foi introduzido ao estudo de ciências e artes, sob a responsabilidade de Andros, um professor de geometria e música, e de Diognetus, um mestre de pintura e professor de filosofia. Este último teve grande influência sobre Marco Aurélio, ensinando-o a pensar filosoficamente, a não acreditar em superstições ou dar atenção exagerada aos esportes de luta. Influenciado pelas lições de Diognetus, que parece ter sido estoico, Marco Aurélio adotou, ainda adolescente, o costume de se vestir como um filósofo grego e até o de dormir no chão, para o desespero de sua mãe.

Deram continuidade à educação de Marco Aurélio os tutores Alexandre de Cotiaeum, Trosius Aper e Tuticius Proculus, os dois últimos, professores de latim. Vale citar que Alexandre era o maior especialista romano em Homero e, segundo o próprio Marco Aurélio, ele o ensinou a dar ênfase ao conteúdo sobre o estilo.

Com apenas seis anos de idade, Marco Aurélio foi incluído na Ordem Equestre, o segundo nível da nobreza romana, por ordem do imperador Adriano. Segundo as fontes, este imperador sempre simpatizou com Marco Aurélio, e assegurou ao menino a participação em vários postos prestigiosos para a juventude aristocrática romana, como o colégio de sacerdotes juvenis dos “Sálios”.

De fato, Adriano costumava chamar Marco Aurélio de “Verissimus“, em uma brincadeira com o nome do menino (que, então, ainda se chamava “Marcus Annius Verus“. Verissimus, em latim, significa “muito verdadeiro”, com o sentido de “confiabilíssimo”.

Depois de ficar um longo período afastado de Roma, viajando, Adriano retornou à Cidade em 135 D.C. Porém, nio ano seguinte, o Imperador ficou muito doente e, já que não tinha filhos, após uma crise de hemorragia, achando que ia morrer, adotou como herdeiro Lucius Ceionus Commodus, que passou a se chamar Lucius Aelius Caesar.

Naquele mesmo ano de 136 D.C., Marco Aurélio assumiu a “toga virilis“, que simbolizava a sua chegada à idade adulta. Como prova da estima e do favor que ele gozava junto ao imperador, Adriano arranjou o casamento de Marco Aurélio com Ceionia Fabia, filha de Lucius Ceionus Commodus (Lucius Aelius Caesar), o herdeiro imperial.

Contudo, em 1º de janeiro de 138 D.C., Lucius Aelius Ceasar morreu subitamente de hemorragia (talvez estivesse grassando alguma febre hemorrágica na região).

Necessitando de um novo herdeiro, Adriano, no dia 24 do mesmo mês, escolheu oficialmente Titus Aurelius Fulvus Boionius Arrius Antoninus (Antonino Pio) como seu sucessor, com a condição de que este, por sua vez, adotasse Marco Aurélio e Lúcio Vero, filho de Lucius Aelius Caesar, como seus herdeiros. Em virtude dessa adoção por Antonino, Marco Aurélio passou a se chamar Marcus Aelius Aurelius Verus.

Antonino era casado com Annia Galeria Faustina (Faustina, a Velha), tia de Marco Aurélio, que era sobrinha da imperatriz Vibia Sabina, esposa de Adriano.

Em 10 de julho de 138 D.C., Adriano faleceu em Baiae, um balneário chique na costa da Campânia, após uma prolongada agonia. A sua sucessão foi tranquila e Antonino assumiu imediatamente o trono, mantendo os principais magistrados e auxiliares de Adriano nos cargos, e tranquilizando o Senado Romano de que os seus privilégios seriam respeitados.

A posição do jovem Marco Aurélio, que naquele momento tinha apenas 17 anos, foi reafirmada pelo fato da Antonino ter pedido que ele rompesse o compromisso com Ceionia Fabia e se comprometesse a casar-se com a filha dele, Annia Galeria Faustina Minor (Faustina, a Jovem), o que foi prontamente aceito.

No início do pacífico e estável reinado de Antonino Pio, Marco Aurélio continuou seu aprimoramento intelectual tornando-se aluno de Marco Cornélio Frontão, um famoso gramático, retórico e advogado, que se tornaria um de seus amigos mais íntimos e era considerado um dos maiores oradores romanos. A correspondência entre Marco Aurélio e Frontão foi preservada e é muito útil para demonstrar a evolução do pensamento do primeiro e o ambiente no círculo imperial.

Marco Aurélio também estudou com Herodes Ático, um influente e riquíssimo aristocrata ateniense, que também era um reconhecido filósofo sofista e foi convidado por Antonino para residir em Roma, com o propósito específico de ser professor dos herdeiros Marco Aurélio e Lúcio Vero. Outro importante integrante do círculo de professores de Marco Aurélio foi o filósofo grego Apolônio de Calcedônia, com quem ele se aprofundou no estudo do Estoicismo.

O treinamento público de Marco Aurélio para suceder a Antonino começou assim que este assumiu o trono. Assim, ainda com 18 anos de idade, o jovem herdeiro passou a participar das reuniões do Conselho Imperial. Em 140 D.C, Marco Aurélio, foi nomeado Cônsul pela primeira vez, e, novamente, em 145 D.C.

Neste mesmo ano, ele se casou com Faustina, a Jovem. Curiosamente, como Marco Aurélio era filho adotivo de Antonino, legalmente aquela seria uma união incestuosa com a sua irmã. Assim, foi preciso que Antonino revogasse expressamente o seu pátrio poder sobre o noivo, para que o casamento pudesse se realizar.

Vale citar que o casamento de Marco Aurélio e Faustina, a Jovem seria um dos mais prolíficos, senão o mais fértil, dentre todos os casamentos imperiais da História de Roma. Eles teriam treze filhos, nascidos no decorrer de vinte e três anos! A primeira filha, Antonina Faustina, nasceu em 30 de novembro de 147 D.C. Muitos deles morreriam na infância, de doenças variadas, mas, em 31 de agosto de 161 D.C., durante os primeiros meses do futuro reinado de Antonino, nasceu Lucius Aurelius Commodus (Cômodo), que sucederia o pai no trono.

Embora Lúcio Vero também estivesse recebendo educação esmerada, tudo indica que Antonino considerava Marco Aurélio a opção preferencial para ser o sucessor dele, ou talvez, um “herdeiro-sênior”. Com efeito, em 146 D.C., Marco Aurélio recebeu o “Poder Tribunício” e o “Imperium Proconsular“, atributos que somente o Imperador podia deter.

Em 160 D.C., ficou claro que a saúde de Antonino Pio, aos 70 anos de idade, estava ruim. Naquele ano, Marco Aurélio e Lúcio Vero foram nomeados Cônsules.

No ano seguinte, em 07 de março de 161 D.C, em sua propriedade familiar situada em Lorium, na Etrúria, Antonino Pio convocou o Conselho Imperial e comunicou-lhes que entregava o Império e sua filha a Marco Aurélio. Horas depois, o imperador faleceu.

Novamente, a sucessão foi pacífica. Marco Aurélio, ao receber todos os títulos, poderes e honrarias imperiais, solicitou ao Senado que Lúcio Vero, respeitando a vontade de Adriano, também deveria ser aclamado Imperador, o que foi obedecido. Marco Aurélio manteve o costume de dar um donativo à Guarda Pretoriana, quando da ascensão de um novo imperador. Porém, a gratificação foi o dobro do que tinha sido dado em ocasiões anteriores, já que formalmente eram dois os príncipes que ascenderam ao trono.

Todavia, embora a Guarda tenha se mantido fiel durante o seu longo reinado, no futuro, a ganância dos Guardas em assegurar novos donativos seria causa de inúmeros assassinatos de imperadores. Assim, se por um lado podemos conjecturar que Marco Aurélio tenha sido sábio em agradar a Guarda e assegurar a fidelidade dos soldados, por outro lado não é absurdo pensar que ele pode, impensadamente, ter estimulado futuras e reiteradas conspirações deles.

Logo no início do seu reinado, Marco Aurélio teve que desvalorizar o denário, reduzindo o percentual de prata na moeda. Não se sabe o motivo exato, mas é possível isso tenha sido causado pela necessidade de fazer frente aos crescentes gastos com campanhas militares.

Com efeito, desde o princípio, o reinado de Marco Aurélio seria afligido pela necessidade de travar guerras quase contínuas nas fronteiras, e, em pouco tempo, por uma terrível peste.

Os antigos acreditavam que os Deuses se divertiam com as agruras humanas e, depois de vinte anos de reinado calmo e pacífico de Antonino Pio, agora o Império Romano seria governado por um imperador adepto do Estoicismo, a corrente que acreditava que a virtude era a única fonte de felicidade e que, por isso, o homem-sábio deveria suportar as adversidades e fazer o que era o seu dever. E isso foi justamente o queMarco Aurélio nunca deixou de fazer enquanto imperador.

Ainda durante os últimos dias do reinado de Antonino Pio, o rei Vologeses IV, da Pártia, havia invadido a Armênia, que então era um reino-cliente de Roma, depondo o monarca e instalando no trono um aliado seu, Pacorus, no que constituía um evidente ato de hostilidade ao Império Romano. O governador da Síria, Severianus pensou que podia conter sozinho a ameaça e invadiu a Armênia, mas ele foi derrotado e morto pelo exército Parta, que dizimou a IX Legião Hispana. Naquela ocasião, Marco Aurélio já tinha assumido o trono.

Diante da seriedade da ameaça, Marco Aurélio resolveu mandar seu colega Lúcio Vero em pessoa para assumir nominalmente o comando do Exército Romano na região, bem como dos reforços que foram enviados. Embora Lúcio Vero não tivesse qualquer experiência militar, a sua presença em Antióquia, que seria o quartel-general das operações, era uma afirmação da importância da campanha.

Lúcio Vero, que durante a guerra pareceu mais preocupado em desfrutar os prazeres de Antióquia, estava assessorado pelos melhores generais de Roma, incluindo Avídio Cássio e Marco Cláudio Frontão. Este, comandando a Legião I Minervia, em conjunto com a Legião V Macedonica, comandada por Públio Mátio Vero, conseguiu tomar a capital armênia, Artabata, em 163 D.C, e destronar Pacorus, reinstalando o aristocrata romano Gaius Julius Soahemus, um membro da elite senatorial romana, que tinha origem armênia e parta e também era membro da dinastia arsácida, no trono. A capital da Armênia foi transferida, em 164 D.C., para a cidade de Kaine Polis, a apenas 50 km da fronteira romana. Em consequência, Lúcio Vero e Marco Aurélio foram saudados pelas tropas como Imperatores, o primeiro recebendo o título de “Armeniacus“.

Os Partas, enquanto isso, intervieram em Osroene, outro reino-cliente de Roma, na Alta Mesopotâmia, onde também instalaram outro aliado, mas o Exército Romano da Síria, reforçado por legiões do Danúbio, conseguiu igualmente expulsa-los, entre 164 D.C. e 165 D.C., capturando a capital de Osroene, a cidade de Edessa.

Os romanos começaram, então, os preparativos para a invasão da Mesopotâmia, coração do Império Parta. Durante o ano de 165 D.C, os Romanos impuseram várias derrotas aos Partas, que recuaram para a estratégica cidade de Nisibis, que, no entanto, foi sitiada e capturada pelo Império Romano, na posse de quem ficaria durante várias décadas. Enquanto isso, a outra ala do Exército Romano, comandada por Avídio Cássio, infligiu outra derrota aos Partas na cidade de Dura-Europos.

No final do ano de 165 D.C., o exército de Avídio Cássio avançou pela Mesopotâmia e sitiou as cidades de Seleucia e Ctesifonte, a capital do Império Parta. Seleucia, cuja população era em grande parte de origem grega, abriu as portas para os Romanos, o que não os impediu de saqueá-la, para indignação de muitos contemporâneos . Já Ctesifonte foi tomada, onde foi queimado o palácio real dos Partas. Pela segunda vez, Lúcio Veroe Marco Aurélio foram saudados como Imperatores, e o primeiro recebeu o título de “Parthicus“. A campanha prosseguiu com a invasão da parte nordeste do Império Parta, com a invasão da Média e, por esse motivo, no ano seguinte, houve nova aclamação dos dois imperadores, tendo Lúcio Vero sido agraciado com o título de “Medicus“.

Porém a grande vitória obtida por Marco Aurélio e Júlio Vero no Oriente teria um terrível custo não previsto: as tropas romanas contraíram, segundo as fontes, na cidade de Seleucia, a chamada “Peste Antonina“, provavelmente originária da China e que se acredita ser uma epidemia de varíola ou de sarampo, trazendo a doença para o seio do Império Romano.

Em decorrência da Peste Antonina, que, acredita-se, tinha uma taxa de mortalidade de 25%, estima-se que 5 milhões de romanos morreram, e, em alguns lugares, metade da população pereceu. Entre os infectados, estaria o próprio Júlio Vero, que, no fim do ano de 168 D.C, teria contraído a doença e morreria em 23 de janeiro de 169 D.C.

Outra campanha sangrenta, e muito mais prolongada, iniciou-se quando a guerra contra os Partas ainda não havia sequer se encerrado.

Já em 162 D.C., bárbaros germânicos das tribos dos Chauci e dos Catos tentaram invadir as províncias da Rétia e da Germânia Superior, sendo repelidos.

No final do ano de 166 D.C. e no início do ano seguinte, invasores Lombardos (lungobardi) cruzaram o Danúbio e invadiram a província da Panônia, mas foram contidos por destacamentos da Legião I Adiutrix. O governador da Panônia tentou negociar uma trégua com os representantes de onze tribos germânicas. Porém, naquele mesmo ano, os Vândalos, que faziam a sua primeira aparição na História Romana, e que ficariam célebres quase três séculos mais tarde, junto com os Iáziges, invadiram a província da Dácia e mataram o governador romano.

A repentina pressão militar dos bárbaros germânicos nas fronteiras romanas, relativamente pacificadas, tinha como motivo uma onda migratória vinda do Báltico e da região do Vístula, quando os belicosos Godos começaram a migrar para o sudeste da Europa, empurrando os povos daquela região em direção à fronteira romana do Reno/Danúbio.

Somente com o fim da campanha contra o Império Parta, Marco Aurélio e Júlio Vero tiveram condições de organizar uma resposta compatível com a ameaça germânica, e, em 167 D.C, os romanos, com duas novas legiões formadas para a campanha, a Legião II Italica e a Legião III Italica, realizaram uma expedição punitiva na Panônia.

Porém, os bárbaros germânicos não paravam de chegar e, entre 167 e 168 D.C., um grande número de Marcomanos (literalmente, os “homens da fronteira”, na língua germânica), chefiados pelo líder Ballomar, e de Quados cruzaram o Danúbio, derrotaram um exército de 20 mil romanos em Carnuntum, e, rapidamente, chegaram ao norte da Itália, destruindo a cidade de Opitergium e sitiando a importante cidade de Aquileia.

Essa invasão foi um choque para os Romanos. Era a primeira vez, desde a incursão dos bárbaros Cimbros e Teutões, no final do século II A.C. (que, a muito custo, foram derrotados por Caio Mário, em 101 A.C.), que a Itália era invadida por inimigos estrangeiros.

Nota: Os Marcomanos inicialmente viviam próximo à fronteira do Reno. Porém, com a expansão romana para a Gália e para a própria Germânia, a partir da época de Júlio César e a reação romana ao Desastre de Varo, no reinado de Tibério, aquele povo migrou para a região do Danúbio. No período dos Antoninos (Nerva – Marco Aurélio), começou a se verificar entre os Marcomanos, bem como outros povos germânicos, o fenômeno da formação de confederações de tribos, com o consequente aumento do tamanho das forças militares e de sua efetividade contra as forças romanas.

Prosseguindo, era necessária, agora, uma grande mobilização de tropas, que, contudo, seria dificultada pela falta de recrutas decorrente da Peste Antonina, que grassava no exército, e a necessidade de conter os Partas no Oriente.

Enquanto pessoalmente liderava a resposta aos Marcomanos e Quados, junto com Júlio Vero, Marco Aurélio teve que voltar para Roma para tratar do funeral do colega que, como vimos, morreu em janeiro de 169 D.C, provavelmente da Peste.

No outono de 169 D.C., Marco Aurélio, acompanhado de seu genro, Tibério Cláudio Pompeiano, retornou para a região do Danúbio para enfrentar os bárbaros Iáziges, uma tribo sármata, de origem iraniana, os quais derrotariam e matariam o general Marco Cláudio Frontão, o herói da Guerra contra os Partas.

Enquanto isso, os Costoboci, um povo das montanhas dos Cárpatos, que viviam nas fronteiras da Dácia, também cruzaram a extensa fronteira do Danúbio e invadiram a província romana da Trácia, chegando até Eleusis, próximo a Atenas, onde destruíram o afamado templo dos Mistérios Eleusinos.

Entre 170 e 171 D.C, todos os esforços de Marco Aurélio concentraram-se em expulsar os Marcomanos do território romano. Ele determinou a criação da Prefeitura da Itália e dos Alpes, com o objetivo de melhorar a defesa das passagens alpinas para a Itália e reforçou a frota fluvial do Danúbio. As tropas foram comandadas por Pompeiano e por Pertinace (que, muitos anos mais tarde seria imperador).

Começaram então os preparativos para uma grande ofensiva contra os Marcomanos, que incluiu a formação de alianças com outras tribos germânicas, como foi o caso dos Vândalos.

Em 172 D.C, os Romanos cruzaram o Danúbio e atacaram os Marcomanos em seu próprio território. No espaço de um ano os bárbaros foram subjugados e Marco Aurélio recebeu o titulo “Germanicus“. Esta campanha está retratada nos relevos da famosa Coluna de Marco Aurélio. erguida em comemoração da vitória no Campo de Marte, em Roma.

No ano de 173 D.C, o Exército Romano se voltou contra os Quados, que tinham apoiado os Marcomanos. Foi nesta campanha que ocorreu o chamado “milagre da chuva”, também retratado na Coluna de Marco Aurélio, ocasião em que as tropas romanas, cercadas pelos Quados em uma posição sem acesso à água, na época da seca, estavam passando muita sede e acabaram sendo salvas por uma súbita chuvada.

Somente no final do ano seguinte, os Quados seriam subjugados.

Naquele mesmo ano de 173 D.C.,, Dídio Juliano, o comandante militar na Germânia que, bem mais tarde, também seria imperador, derrotou uma invasão dos Catos e Hermunduri na fronteira do Reno.

Ainda m 174 D.C, chegou a vez dos Iáziges experimentarem a vingança romana. Após uma campanha vitoriosa, os bárbaros assinaram um tratado de paz no ano seguinte, devolvendo os prisioneiros romanos e concordando em fornecer um contingente de oito mil cavaleiros para o Exército Romano, dos quais 5.500 foram assentados na Britânia. Por isso, Marco Aurélio recebeu o título de “Sarmaticus“.

Parece que Marco Aurélio planejava instituir duas novas províncias romanas na região, que se chamariam “Marcomannia” e “Sarmatia”, depois da derrota dos bárbaros. E, de fato, ele vinha sendo bem sucedido na estratégia de isolar e derrotar as tribos uma a uma, não ostante tal estratégia demandasse mais tempo e consumisse mais recursos.

Todavia, os planos de Marco Aurélio foram por água baixo quando chegou a notícia de que o general Avídio Cássio , comandante do Exército Romano no Oriente havia se autodeclarado imperador , em maio de 175 D.C.

Avídio Cássio foi incentivado a tentar usurpar o trono quando recebeu a falsa notícia de que Marco Aurélio teria morrido de doença na campanha do Danúbio. Parece que o boato foi aceito como verídico em boa parte do Império e Avídio Cássio, inicialmente, recebeu o apoio das províncias orientais e do Egito. Há uma versão de queCássio teria sido incentivado a se rebelar pela própria imperatriz Faustina.

Marco Aurélio, que ao tomar ciência da rebelião estava acompanhado de Cômodo, que aos quatorze anos já estava mesmo na idade de se inteirar dos assuntos militares, teve que abandonar a campanha contra os germânicos e rumar para o Leste.

Entretanto, a notícia de que o imperador estava vivo chegou primeiro às províncias orientais, e o próprio exército de Avídio Cássio executou o seu certeza comandante, preferindo evitar a certeza punição por embarcarem em uma aventura incerta contra um imperador de tanto prestígio.

O Imperador aproveitou a estadia na região para visitar Atenas e ele e Cômodo se iniciaram nos Mistérios Eleusinos, Depois, ele visitou o Egito e voltou para Roma para celebrar seu muito merecido Triunfo, em 23 de dezembro de 176 D.C., na companhia de seu filho Cômodo, ocasião em que, provavelmente, a Coluna de Marco Aurélio foi dedicada.

Os problemas na fronteira do Danúbio, contudo, ainda não tinham sido completamente resolvidos e, em 177 D.C, Marco Aurélio voltou à Região,

Ao contrário do que é retratado em filmes como “Gladiador” e “A Queda do Império Romano”, Marco Aurélio sempre pretendeu que Cômodo, o seu único filho homem sobrevivente, herdasse o trono. Ainda em 166 D.C., Cômodo havia recebido o titulo de “César’, que segundo os costumes imperiais significava algo próximo a “príncipe-herdeiro”. Em 177 D.C., para não restar nenhuma dúvida, sobretudo após a rebelião de Avídio Cássio, Marco Aurélio deu a Cômodo o título de “Augusto”, tornando-o, de direito, Co-Imperador. Seria apenas a segunda vez, na História do Império Romano, que um filho natural sucederia ao pai, tendo sido Tito o primeiro.

Durante o ano de 178 D.C., o Exército Romano obteve diversas vitórias no Danúbio e o ano de 179 D.C. parece ter sido dedicado a uma grande preparação para uma ofensiva decisiva contra os bárbaros da região.

Porém, em 17 de março de 180 D.C., aos 58 anos de idade, Marco Aurélio faleceu, provavelmente de causas naturais, ou doença, na cidade de Vindobona (atual Viena, na Áustria). Ele passara os últimos 10 anos lutando contra os Marcomanos, Quados e outros bárbaros na fronteira do Danúbio. Mesmo admitindo-se que lhe tenha sido providenciado todo o conforto a que um imperador romano fazia jus, ninguém discute que passar esse tempo todo afastado de Roma, na fria, inóspita e distante província da Panônia, foi uma prova de dedicação e amor ao dever impressionante para um homem cuja aptidão maior sempre tinha sido a filosofia e a literatura.

Não é a toa que a representação mais famosa de Marco Aurélio, a sua soberba estátua equestre originalmente dourada, hoje guardada no Museu Capitolino, em Roma, mostre o imperador em trajes civis. Não obstante, na Coluna de Marco Aurélio, ele é retratado recebendo a submissão de bárbaros derrotados. Certamente, Marco Auréliodeve ter se valido dos ensinamentos estoicos para suportar cenas tão díspares do seu jeito afável de ser. Antes de tudo, para ele vinha o dever.

Foi durante o período em que liderou a Guerra contra os Marcomanos que Marco Aurélio escreveu, em grego, a sua obra mais famosa, as “Meditações“, em 12 livros, enquanto residia em Aquincum (cidade romana fortificada, no perímetro urbano da atual Budapeste, Hungria) e Carnuntum, local de uma fortaleza romana, na atual Áustria. O nome da obra foi dado posteriormente e o melhor título, segundo o que se depreende do que escreveu nos seus cadernos seria “Pensamentos para mim mesmo”. Esse clima é, de fato, muito bem retratado nos filmes “Gladiador” e “A Queda do Império Romano”.

A linha que conduziu as meditações, segundo o próprio Marco Aurélio, é a ideia de que a pessoa “tem o poder de se despir de vários problemas superficiais localizados inteiramente na mente dela e possuir um grande espaço para ela mesma abraçar em pensamento todo o Cosmos, levar em consideração a eternidade, pensar nas rápidas mudanças nas partes de cada coisa, de quão pouco tempo há do nascimento até a morte e como o vazio que existe antes do nascimento e depois da morte é igualmente infinito“.

Cássio Dião, que, juntamente com a História Augusta e as cartas de Frontão, é a melhor fonte sobre o reinado de Marco Aurélio, ao terminar o seu texto sobre este imperador, escreveu:

“Marcus não encontrou a boa sorte que ele merecia, pois ele não era dotado um físico vigoroso e se viu envolvido em um turbilhão de problemas durante praticamente todo o seu reinado. Mas, na parte que me toca, eu o admiro ainda mais por essa razão, já que, em meio a dificuldades incomuns e extraordinárias ele conseguiu sobreviver e preservar o Império. Somente uma coisa o impediu de ser completamente feliz, nomeadamente, que, após cuidar e educar seu filho da melhor forma possível ele tenha se decepcionado tanto com ele. Esse assunto será nosso próximo tópico; pois agora nossa História desce de um reinado de ouro para um de ferro e ferrugem, como as coisas se tornariam para os Romanos daqueles dias.“

Com efeito, das poucas críticas que os historiadores antigos e modernos fizeram a Marco Aurélio, encontra-se a escolha de Cômodo como sucessor. Porém eu entendo a crítica como injusta. Não há muitos indícios de que Cômodo, antes de assumir o trono, tenha dado demonstrações de que ele fosse incapaz para governar. Aos 18 anos, o mais provável é que Marco Aurélio esperasse que bons conselheiros e professores dessem ao rapaz a orientação necessária para ser um bom imperador e um bom homem, como tinha ocorrido com ele próprio, Marco Aurélio.

Escolher uma outra pessoa, como por exemplo, um general capaz como Tibério Cláudio Pompeiano, que, aliás, foi a maior inspiração para o personagem Maximus Decimus Meridius, do filme “Gladiador”, no lugar de Cômodo, além de significar, na prática, condenar o próprio filho à morte, significaria, caso este não fosse executado pelo sucessor, uma perpétua fonte de potenciais guerras civis, enfraquecendo ainda mais o Império em um momento crucial.

Infelizmente, Cômodo realmente mostrou-se não ser o governante talhado para a situação do Império Romano. Assim que o pai morreu, ele negociou uma paz com as tribos do Danúbio e voltou para Roma, onde ele celebrou um imerecido Triunfo, em outubro de 180 D.C. Ele negligenciaria os assuntos militares e a política externa durante todo o seu reinado e isso contribuiria, décadas mais tarde, para as catástrofes que se abateriam sobre o Império, no século III D.C.

A outra crítica foi feita pelos historiadores cristãos, que denunciaram as perseguições ocorridas no reinado de Marco Aurélio. Quanto a isso, não parece ter havido mudança na política seguida pelo Império com relação ao Cristianismo. O que pode ter havido é o aumento de processos e prisões em virtude do aumento do número de cristãos. O Estado Romano intervinha nessas questões muito por demanda dos cidadãos espalhados pelas cidades. A principal preocupação era a manutenção da ordem, que, de quando em quando era afetada pelos conflitos entre as autoridades locais e os cristãos, entre estes e outras religiões ou entre os próprios cristãos. Como normalmente não participavam dos cultos públicos ligados à Roma e ao Imperador, as autoridades romanas normalmente tomavam partido contra os cristãos. E no reinado de Marco Aurélio não foi diferente.

Assim, o retrato de Marco Aurélio que sobreviveu para a posteridade foi a de um genuíno imperador-filósofo, como preconizado por Platão, no livro VI da “República“.


Marco Aurélio (general)

REFERÊNCIA: BLOG historiasderoma.com