sábado, 5 de setembro de 2020

Tempos de recolhimento...

in https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Primavera_(Botticelli)


Sendo sócia da ASSP (Associação de Solidariedade Social dos Professores), encontrei na página cinco do Boletim Informativo (BI 217 3º trimestre 2020) um artigo e um poema de uma outra associada, Zulmira Bento, onde ela faz uma reflexão sobre esta pandemia, que teima em não nos deixar. 

Gostei muito de ambos, e, com a devida vénia, atrevo-me a transcrevê-lo, tão belo é um como o outro, por tanto nos obrigar a refletir sobre tudo o que nos está a acontecer: 

Texto

"O sorriso do olhar
A vida decorria entre a pacatez dos dias e o deslumbramento de aventuras em busca do jamais visto. Vivíamos no caloroso regaço dos afectos e, de dentro, saltavam abraços e beijos em busca de outros braços, de outros beijos. Éramos felizes. Sabemo-lo agora. Eis que chega um inimigo invisível, do tamanho do nada, que do mundo fez seu reino. Fechámo-nos em casa na esperança de que não nos encontrasse. Cobrimos o rosto. Os olhos de fora, mostravam-nos o caminho da distância. Trancada em casa, choro a minha própria solidão. A primavera chegou e partiu sem a podermos tocar. As andorinhas chegaram e partiram, espantadas com o silêncio dos homens. A Terra, incrédula, vestiu-se de esperança, desconhecendo a razão do repentino bom-senso da humanidade. Não conheço estradas seguras que nos levem de volta ao colo morno da tranquilidade. Os meus lábios não reconhecem o sorriso em lábios escondidos atrás da cortina. O sorriso mudou-se para o olhar."

Poema

Em tempo de recolhimento

Choro o Sol da Primavera
Que não me pode aquecer...

Choro o sorriso das camélias
À procura do meu sorriso...

Choro o meu abraço
Sem ninguém dentro...

Choro a minha cidade
Enrolada no silêncio...

Choro a saudade
Do aroma da liberdade...

Choro as vidas sem vida
Em tudo iguais à minha...

Choro aquele nada, sem rosto
A querer engolir as nações...

Choro o meu próprio choro
E o vazio das palavras
Porque as palavras 
Também morrem...