Guy Abeille (in resistir.info) |
por Tom Gill [*]
Em Maio de 1981, em menos de uma hora, Guy Abeille, então alto responsável da Direcção do Orçamento da França, inventou a infame relação dos 3% entre o défice e o PIB da UE. E nasceu assim o festival da austeridade europeia.
Guy Abeille é conhecido como o "Senhor 3%". Ele é o inventor de um conceito registado e repetido ad nauseam por todos os governos franceses tanto de direita como de esquerda durante três décadas e por todos os países da UE desde 1992 sob o Tratado de Maastricht. "O défice público não deve exceder 3% da riqueza nacional (PIB)".
A regra dos 3% justificou todos os cortes de despesas, aumentos de impostos e reformas na Europa ao longo dos últimos trinta anos. Assim, a que modelação económica se deve a sua origem? O jornal Le Parisien fez a pergunta ao encontrar o economista num café da margem esquerda há cerca de 18 meses. E a resposta foi esta:
"Nós inventámos este número dos 3% em menos de uma hora, ele nasceu nas costas de um envelope, sem qualquer reflexão teórica".
Isto aconteceu exactamente no arranque do primeiro mandato do primeiro presidente socialista da França, François Mitterrand, o qual, ironicamente, estava prestes a lançar uma radical reflação em estilo keynesiano da economia deprimida, através de nacionalizações, investimentos mais elevados em serviços públicos, aumentos em salários e bem estar social, cortes na semana laboral e um imposto sobre a riqueza, inspirado por um programa comum com os comunistas. Estas políticas radicais foram abandonadas dois anos depois.
"Foi numa noite em Maio de 1981. Pierre Bilger, o director do Orçamento naquele tempo, convocou-nos, juntamente com Roland de Villepin (primo do outrora primeiro-ministro Dominique de Villepin). Ele disse-nos: Mitterrand quer que lhe providenciemos rapidamente uma regra fácil, a qual soe como ciência económica e possa ser utilizada contra ministros que entram no seu gabinete para pedir-lhe dinheiro", contou Abeille a Le Parisien.
No seu gabinete no Louvre, que naquele tempo era a sede do Ministério das Finanças, Abeille coçou a cabeça.
"Precisamos algo simples", disse ele. Escolheram o produto interno bruto, PIB, "porque na economia toda a gente refere-se ao PIB".
Um número redondo para o défice? Eles consideraram um rácio do défice em relação ao PIB de 1%. Mas "este número foi eliminado pois era impossível de atingir. Os 2% então? Isto também nos colocava sob pressão". Os 3%? "Isto era um bom número, um número que atravessou todas as eras, que recordava a Trindade". Assim, eles foram para os 3%.
"Mitterrand queria uma regra, nós lhe demos. Não pensávamos que ela fosse perdurar para além de 1981", acrescentou.
Mas os "3%" permaneceram. Segundo Abeille, Laurent Fabius – ministro das Finanças de Mitterrand, depois primeiro-ministro e agora ministro dos Estrangeiros sob outro presidente socialista, François Hollande – foi o primeiro a falar acerca do défice como uma percentagem do PIB, mas ele considerava-o demasiado folgado. Preferia 2,6%.
Então quem foi o campeão do número dos 3%? "Foi Mitterrand que o adoptou como se fosse seu, utilizando-o para dar legitimidade a si próprio. Posteriormente, esta referência foi teorizada por economistas e incluída no Tratado de Maastricht, tornando-se um dos critérios para aderir à zona euro".
Hoje, estes "3%" determinam as vidas diárias dos franceses e de outros 17 membros da eurozona. Ele determina se se deve construir – ou não – escolas, hospitais, infantários ou aumentar impostos.
Será que Abeille se sente responsável? "Estivemos na origem dele, mas tivemos muitos cúmplices. E se não fossem estes 3%, teria havido um diferente limite para as contas públicas". E acrescenta: "Mitterrand podia ter feito a sua solicitação ao INSEE [organismo oficial da estatística], por exemplo, o qual é considerado mais independente. Mas não, ele escolheu a Direcção-Geral do Orçamento.
Esta era uma parte da administração pública que sabia como se manter em sincronia com o espírito da época (zeitgeist). Um exemplo? "Fui encarregado no Ministério da Economia de estabelecer o número do défice, no princípio da década de 1980. Trabalhávamos sem computador naquele tempo. Eu não estava a trapacear. Mas por vezes era necessário entender os constrangimentos políticos. Com a aproximação de eleições, informalmente, nunca havia nada escrito, por vezes pediam-nos gentilmente para arrumar as contas".
O que o "Senhor 3%" pensa do limiar dos 0,5% de "défice estrutural" imposto pelo mais recente tratado da UE, o pacto orçamental ou, formalmente, o Tratado sobre estabilidade, coordenação e governação na união económica e monetária (Treaty on Stability, Coordination and Governance in the Economic and Monetary Union), assinado por todos os estados da UE, bloqueado pela República Checa e o Reino Unido em 2012, e que entrou em vigor em Janeiro de 2013? "É verdade que o número 0 tem as suas vantagens. Mas se nós o estabelecessemos em 0,7%, as pessoas perguntariam por que esse número? Ao passo que 0,5% está a meio caminho, não é um número mau, é um número confortável".
Assim informou o Le Parisien . Uma entrevista excelente, reveladora. Faltando apenas a conclusão óbvia: que a austeridade europeia, e as políticas associadas à privatização e desregulamentação, nada têm a ver com teoria económica sã e tudo a ver com política; a espécie de política que é destinada a beneficiar uma elite minúscula e inventada, por uma questão de conveniência, nas costas de um envelope.
A regra dos 3% justificou todos os cortes de despesas, aumentos de impostos e reformas na Europa ao longo dos últimos trinta anos. Assim, a que modelação económica se deve a sua origem? O jornal Le Parisien fez a pergunta ao encontrar o economista num café da margem esquerda há cerca de 18 meses. E a resposta foi esta:
"Nós inventámos este número dos 3% em menos de uma hora, ele nasceu nas costas de um envelope, sem qualquer reflexão teórica".
Isto aconteceu exactamente no arranque do primeiro mandato do primeiro presidente socialista da França, François Mitterrand, o qual, ironicamente, estava prestes a lançar uma radical reflação em estilo keynesiano da economia deprimida, através de nacionalizações, investimentos mais elevados em serviços públicos, aumentos em salários e bem estar social, cortes na semana laboral e um imposto sobre a riqueza, inspirado por um programa comum com os comunistas. Estas políticas radicais foram abandonadas dois anos depois.
"Foi numa noite em Maio de 1981. Pierre Bilger, o director do Orçamento naquele tempo, convocou-nos, juntamente com Roland de Villepin (primo do outrora primeiro-ministro Dominique de Villepin). Ele disse-nos: Mitterrand quer que lhe providenciemos rapidamente uma regra fácil, a qual soe como ciência económica e possa ser utilizada contra ministros que entram no seu gabinete para pedir-lhe dinheiro", contou Abeille a Le Parisien.
No seu gabinete no Louvre, que naquele tempo era a sede do Ministério das Finanças, Abeille coçou a cabeça.
"Precisamos algo simples", disse ele. Escolheram o produto interno bruto, PIB, "porque na economia toda a gente refere-se ao PIB".
Um número redondo para o défice? Eles consideraram um rácio do défice em relação ao PIB de 1%. Mas "este número foi eliminado pois era impossível de atingir. Os 2% então? Isto também nos colocava sob pressão". Os 3%? "Isto era um bom número, um número que atravessou todas as eras, que recordava a Trindade". Assim, eles foram para os 3%.
"Mitterrand queria uma regra, nós lhe demos. Não pensávamos que ela fosse perdurar para além de 1981", acrescentou.
Mas os "3%" permaneceram. Segundo Abeille, Laurent Fabius – ministro das Finanças de Mitterrand, depois primeiro-ministro e agora ministro dos Estrangeiros sob outro presidente socialista, François Hollande – foi o primeiro a falar acerca do défice como uma percentagem do PIB, mas ele considerava-o demasiado folgado. Preferia 2,6%.
Então quem foi o campeão do número dos 3%? "Foi Mitterrand que o adoptou como se fosse seu, utilizando-o para dar legitimidade a si próprio. Posteriormente, esta referência foi teorizada por economistas e incluída no Tratado de Maastricht, tornando-se um dos critérios para aderir à zona euro".
Hoje, estes "3%" determinam as vidas diárias dos franceses e de outros 17 membros da eurozona. Ele determina se se deve construir – ou não – escolas, hospitais, infantários ou aumentar impostos.
Será que Abeille se sente responsável? "Estivemos na origem dele, mas tivemos muitos cúmplices. E se não fossem estes 3%, teria havido um diferente limite para as contas públicas". E acrescenta: "Mitterrand podia ter feito a sua solicitação ao INSEE [organismo oficial da estatística], por exemplo, o qual é considerado mais independente. Mas não, ele escolheu a Direcção-Geral do Orçamento.
Esta era uma parte da administração pública que sabia como se manter em sincronia com o espírito da época (zeitgeist). Um exemplo? "Fui encarregado no Ministério da Economia de estabelecer o número do défice, no princípio da década de 1980. Trabalhávamos sem computador naquele tempo. Eu não estava a trapacear. Mas por vezes era necessário entender os constrangimentos políticos. Com a aproximação de eleições, informalmente, nunca havia nada escrito, por vezes pediam-nos gentilmente para arrumar as contas".
O que o "Senhor 3%" pensa do limiar dos 0,5% de "défice estrutural" imposto pelo mais recente tratado da UE, o pacto orçamental ou, formalmente, o Tratado sobre estabilidade, coordenação e governação na união económica e monetária (Treaty on Stability, Coordination and Governance in the Economic and Monetary Union), assinado por todos os estados da UE, bloqueado pela República Checa e o Reino Unido em 2012, e que entrou em vigor em Janeiro de 2013? "É verdade que o número 0 tem as suas vantagens. Mas se nós o estabelecessemos em 0,7%, as pessoas perguntariam por que esse número? Ao passo que 0,5% está a meio caminho, não é um número mau, é um número confortável".
Assim informou o Le Parisien . Uma entrevista excelente, reveladora. Faltando apenas a conclusão óbvia: que a austeridade europeia, e as políticas associadas à privatização e desregulamentação, nada têm a ver com teoria económica sã e tudo a ver com política; a espécie de política que é destinada a beneficiar uma elite minúscula e inventada, por uma questão de conveniência, nas costas de um envelope.
[*] Email: revolting.europe@gmail.com
O original encontra-se em revolting-europe.com/2014/04/ 17/how-the-eus-budget- straight-jacket-was-born/
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ ."