Concordo em absoluto com o artigo que vou aqui partilhar neste post do dia de hoje, e que penso que serve de reflexão em relação ao que temos vivido e aprendido nestes últimos anos - os anos da crise que se instalou em Portugal!
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"O Povo é sereno", por Paulo Ferreira em 02.10.2015, in observador.pt
"Faço parte do grupo de eleitores que olha com algum espanto
para o que as sondagens nos dizem, apontando todas elas
para uma vitória confortável mas minoritária da coligação PàF.
Não porque considere, na minha avaliação pessoal, que o
Governo deva ser severamente penalizado — o que foi feito
teria que ser feito por quem quer que estivesse a governar, mais
por aqui ou mais por ali — mas porque nunca imaginei que esse
pudesse ser também o julgamento de cerca de 40% do eleitorado.
O eleitoralismo, as promessas perigosas, o facilitismo e o
clientelismo sempre pagaram. O maior monumento que erguemos
a esse fenómeno aconteceu não há muitos anos.
Foi nas eleições de 2009, um ano depois da crise financeira e já
com todos os sinais de alarme a disparar. José Sócrates apresentou-se
ao eleitorado depois de ter aumentado a função pública em 2,9%,
com um défice assumido de 5,9% mas na realidade já a caminho do
dobro desse valor e com promessas de atirar mais dinheiro — leia-se
mais défice e mais dívida — para cima dos problemas, com um
programa de obras faraónicas para concluir — TGV, novo aeroporto,
nova travessia do Tejo, uma dezena de novas auto-estradas.
Era o progresso em forma de betão. Bateu Manuela Ferreira Leite,
que foi avisando que não havia dinheiro e que as propostas
socialistas eram o caminho para o desastre.
A então líder do PSD tinha razão, como qualquer cidadão informado e
desprovido de clubite partidária já conseguia perceber e todos viemos
tristemente a confirmar um ano depois.
A “compra” de votos com dinheiro dos contribuintes das gerações
presentes e futuras — aumentos salariais, subsídios a pessoas ou
empresas, obras vistosas e outras desgraças com tiques de novo-riquismo
— sempre funcionou como trunfo eleitoral.
Tal como sempre foram eficazes as promessas de pão e circo, ainda que
muitas se percam depois nos caminhos tortuosos da governação quando
esta se confronta com a realidade.
O país tinha mordido estes iscos há apenas seis anos e nunca imaginei
que em tão pouco tempo, tanta gente tivesse aprendido tanta coisa.
A lição foi demasiado cara mas, aparentemente, parece estar a ser
assimilada: não se distribui dinheiro que não temos.
É isso que indicia a aparente resistência eleitoral — estamos a falar de
dados de sondagens que vão ser submetidas ao soberano “fact cheking”
no domingo — da coligação PSD/CDS, que deve descer substancialmente
em relação à votação de 2011 mas que pode ser, ainda assim, a
candidatura mais votada.
Um povo que, na sua maioria, foi habituado à miragem dos almoços
grátis só podia penalizar duramente quem executou o mais duro programa
económico da democracia — o ajustamento de Mário Soares em 1983-85
foi também violento, mas a ilusão monetária permitida por uma inflação
próxima dos 30% suavizou a sua percepção, embora nem assim o PS tenha
escapado nessa altura à mais pesada derrota da sua história.
O mesmo povo, perante uma proposta alternativa muito mais simpática
e rápida no desmantelamento das medidas de austeridade, como é a do PS
de António Costa, seria certamente tentado a ir inequivocamente por aqui.
Mas, aparentemente, nem uma coisa nem outra.
Nem os fantasmas levantados nos últimos anos sobre um alegado
extremismo ideológico do governo fizeram caminho. Neo-liberais?
Ultra liberais? Radicais de direita? Desmantelamento do Estado?
Fim do Estado Social? Só por distração se pode acreditar nisso.
Só por ignorância ou má-fé argumentativa se podem tentar colar essas
etiquetas. Se há área onde o governo PSD/CDS falhou e ficou muito
aquém do que podia e devia foi na reforma do Estado e na redução do
seu peso na economia — coisa que, aliás, o próprio programa eleitoral
do PS agora prevê, e bem. Promover a confusão entre esta necessidade
e a destruição dos serviços públicos é que enfraquecerá ainda mais o
Estado.
Também fomos ouvindo, ao longo dos últimos quatro anos, lamentações
várias sobre a pacatez do país na sua oposição à troika, à austeridade
e, claro, ao Governo. Que não havia protestos ruidosos nem violentos,
como muitas vezes se viram em frente ao Parlamento grego.
Houve a enorme manifestação de 15 de Setembro de 2012, onde
se matou a mudança na Taxa Social Única, momento raro de cidadania
que o Governo terá levado em boa conta. Para além disso, restaram as
dezenas de arregimentados da Fenprof de Mário Nogueira e a sempre forte
capacidade organizativa da CGTP, presenças regulares nas ruas e nas
televisões. E, claro, as habituais greves dos transportes públicos.
Agora percebemos porque é que estas árvores não representavam a
floresta. E não foram os nossos míticos brandos costumes a manter a
serenidade nas ruas. Apesar de muito dolorosa, de ter sido executada com
erros, com mais cortes cegos do que estruturais e com enormes
aumentos de impostos, uma fatia importante da população terá
entendido a austeridade como um mal necessário e, tudo pesado, bem
sucedida nos seus propósitos principais: recuperar a soberania
financeira. A comparação com a caótica aventura grega, fortemente
mediatizada em Portugal, terá também ajudado o Governo nesta percepção.Independentemente do vencedor no próximo domingo, esta eleição confirma
o país que se posiciona esmagadoramente ao centro, que não gosta de
aventuras e que foi confrontado com uma coisa nova: pagoudemasiado caras as ilusões das últimas décadas e agora perdeu-as."
Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com