não foi o encontro com o Papa, mas sim com os dirigentes
italianos que, com a sua política, visam minar a já fraca
unidade europeia.
O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, esteve em visita oficial a Itália e aproveitou a oportunidade para visitar o Papa Francisco, mas o objectivo principal da viagem foi encontrar-se com os seus amigos de extrema-direita que governam aquele país. A ida à Santa Sé não passou de um encontro protocolar.
Em termos de protocolo, não obstante o encontro do Papa ser o primeiro da lista de encontros em Roma, o dirigente russo atrasou-se mais uma vez para o encontro com o Papa no Vaticano. Já não foi mais de uma hora como na vez passada, em 2015, mas “apenas” meia hora.
Em 1935, numa conversa entre José Estaline e o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Pierre Laval, realizada pouco depois da Alemanha restabelecer as suas forças aéreas e implementar o serviço militar obrigatório, o ditador soviético perguntou-lhe de quantas divisões militar dispunha a França e, depois da resposta a essa pergunta, Laval deu-lhe a entender que o alívio da situação dos católicos na União Soviética, onde eram ferozmente perseguidos, poderia contribuir para o melhoramento das relações entre a Santa Sé e a URSS. Foi então que Estaline fez uma das suas famosas perguntas: e quantas divisões militares tem o Papa?
Longe de querer comparar Putin a Estaline, será que o actual dirigente russo não compreende a influência do Papa no mundo ou pensa que está mesmo a construir “Moscovo – Terceira Roma” ou a “salvar a Humanidade do Anticristo”, como afirmam alguns teorizadores do “messianismo russo”?
Desta vez, Vladimir Putin não convidou Francisco I para visitar a Rússia, embora o Santo Padre tenha expresso esse desejo na sua visita à Bulgária, em Maio passado, país também cristão ortodoxo. Já podia parecer feio. Os dirigentes soviéticos e russos, desde Gorbatchov ao actual, passando por Boris Ieltsin, fizeram esse convite a vários Papas quando visitaram o Vaticano, mas nenhuma foi realizada devido à oposição da hierarquia da Igreja Ortodoxa da Rússia, a maioria da qual continua a olhar para os católicos como “hereges”.
No caso de Putin, a questão é ainda mais delicada porque já se encontrou duas vezes com João Paulo II, uma com Bento XVI e duas com Francisco.
Em nome da Igreja Ortodoxa Russa, Vladimir Legoyda reagiu da forma mais diplomática possível ao encontro: “Sabemos também que o Vaticano e a Rússia têm posições semelhantes quanto a numerosas questões da política internacional, consideram importante o apoio aos valores tradicionais como o casamento e a família, a defesa dos direitos dos cristãos nas regiões onde são perseguidos. Por isso, este encontro é incondicionalmente importante e útil”, frisou o sacerdote ortodoxo.
No entanto, ele frisou que “vale apenas lembrar uma vez mais que a Santa Sé é uma formação muito semelhante, pelo seu estatuto, a um Estado: participa em acordos e organizações internacionais, tem representações em muitos Estados. Por isso o encontro do Presidente da Rússia e do Papa Francisco foi um encontro que, pela sua natureza, tem um carácter inter-estatal, se quiserem, secular”.
Há alguns círculos na Igreja Católica Apostólica Romana que veem o combate pelos valores tradicionais uma das plataformas para uma aproximação e até união num futuro longínquo com a Igreja Ortodoxa Russa, mas não tenham muitas ilusões, pois o catolicismo é uma das componentes do anti-ocidentalismo pregado pela propaganda russa. Poderão ter algumas esperanças os católicos tradicionalistas que defendem o regresso da Igreja Católica ao período anterior ao Concílio Vaticano II.
Não se pode esquecer também que o Papa Francisco e Vladimir Putin têm ideias opostas em questões como a dos imigrantes. Apresentando-se como defensor dos cristãos nos países onde são perseguidos, e aqui tem-se em vista principalmente a Síria e a Ucrânia, o dirigente russo, ao contrário do Santo Padre, critica a Ângela Merkel pela sua política de acolhimento dos refugiados.
É difícil acreditar numa coincidência de posições entre o Papa e Putin também nos métodos necessários para defender os direitos humanos e a justiça social.
Por conseguinte, o principal objectivo da visita do senhor do Kremlin não foi o encontro com o Papa, mas com os dirigentes italianos que, com a sua política, visam minar a já fraca unidade europeia. Giuseppe Conte dirige um governo apoiado pela extrema-direita e do qual faz parte um dos amigos de Putin: Matteo Salvini. Eles defendem, por exemplo, o levantamento das sanções económicas que foram impostas pela União Europeia à Rússia depois desta última ter ocupado a Crimeia em 2014.
E claro que Putin não poderia deixar de se encontrar com o seu amigo de velha data: Silvio Berlusconi. Bem diz o ditado: “diz-me com quem andas, digo-te quem és”. (por José Milhazes, a 07.07.2019, no observador.pt)