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Carlos Drummond de Andrade disse um dia: "A leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas por incrível que pareça, a quase totalidade das pessoas não sente esta sede."
Ao começar a ler o livro de Ana Luísa Amaral Arder a palavra e outros incêndios, Relógio d'Água, dezembro de 2017, encontro reflexões muito interessantes logo nas primeiras páginas sobre a leitura e a escrita e gostaria de aqui partilhar algumas.
A autora considera a frase de Drummond "algo arrogante", considerando que o facto de não se sentir essa sede "está sobretudo ligado a questões de ordem sociocultural, com hábitos ensinados e depois integrados".
Ana Luísa Amaral refere que esta frase de Carlos Drummond de Andrade lhe trouxe à memória não só o poema de Emily Dickinson, em tom mais humilde, e que começa assim: "Não há fragata como um livro/Para levar-nos terra afora", como também uma frase de Fernando pessoa "Ler é sonhar pela mão de outrem".
Considera que "A leitura implica um gesto que passa pelos dois sentidos de comoção: mover-se e comover-se. Implica um determinado tipo de acção. Mas tratará a leitura de um agir diferente do agir da escrita? É que agir não quer dizer só comportar-se ou conduzir-se, agir quer dizer igualmente intervir, e, no caso da escrita, significa também pegar na caneta, ou no lápis, afiar o lápis, correndo o risco de, partindo-se o seu bico , partir-se também a ideia antes pairando, enquanto se afiou o lápis para dentro do cinzeiro que está em cima da mesa de café, isto se estivermos num café onde se pode fumar, que é onde é bom escrever, desde que não haja aquela música alta que agora pões nos cafés, com o pretexto de que toda a gente gosta, e é mentira, as pessoas são coagidas a gostar de música alta, experimentem perguntar às pessoas e elas dizem que não gostam ou então que tanto lhes faz, mas continuemos, estávamos então a afiar o lápis, dizendo que agir significa também afiar o lápis, depois fiar-se no movimento da mão, afinar o tempo, a ver se porventura ali: ponto de luz em sobressalto ou calma, ficar-se em espera, olhando o ar, roendo a ponta do lápis, e onde é que está o prazer disto, e todavia o prazer está lá, espreitando, disfarçado de angústia, ficar então em espera, olhando o ar, depois desconfiar da palavra que de repente surge, ou não tão de repente, porque, nestes casos, foi convocada por uma ideia ou mesmo quem sabe por outra palavra que veio antes dela, mas o processo é sempre um pouco estranho - e, apesar disso, apesar de tudo, do prazer, do desprazer que tudo isto traz, ainda assim confiar na palavra, no seu aparecimento, que é às vezes também aparição...".
Gostei muito desta reflexão, pois obrigou-me a pensar tal como Ana Luísa Amaral afirma que "se a escrita está ligada ao prazer é porque ela não vive sem a leitura".
E para concluir esta minha pequena (ínfima) reflexão sobre a leitura e a escrita, cito mais uma ideia deste livro e que a autora refere que pertence a Samuel Johnson (conhecido por Doctor Johnson): "a maior parte da vida de um escritor é passada na leitura; depois uma pessoa revira metade de uma biblioteca para fazer um só livro."
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