domingo, 22 de dezembro de 2013

Um texto delicioso...

imagem obtida em: esabelsalazar.pt
Estão na moda as despedidas da escrita antiga, 
agora que o Acordo Ortográfico vai, contra ventos, 
marés e Graças Mouras, entrar definitivamente em 
vigor.

Ontem, chegou-me este delicioso texto:

"Quando eu escrevo a palavra ação, por magia ou 
pirraça, o computador retira automaticamente o 
c na pretensão de me ensinar a nova grafia. 
De forma que, aos poucos, sem precisar de ajuda, 
eu próprio vou tirando as consoantes que, 
ao que parece, estavam a mais na língua 
portuguesa. 

Custa-me despedir-me daquelas letras que tanto 
fizeram por mim. 

São muitos anos de convívio. Lembro-me da forma 
discreta e silenciosa como todos estes cês 
e pês me acompanharam em tantos textos e 
livros desde a infância. 
Na primária, por vezes gritavam ofendidos na 
caneta vermelha da professora: 
não te esqueças de mim! 

Com o tempo, fui-me habituando à sua existência 
muda, como quem diz, sei que não falas, 
mas ainda bem que estás aí. 
E agora as palavras já nem parecem as mesmas. 
O que é ser proativo? Custa-me admitir que, de um 
dia para o outro, passei a trabalhar numa 
redação, que há espetadores nos espetáculos e 
alguns também nos frangos, que os atores 
atuam e que, ao segundo ato, eu ato os meus 
sapatos. 

Depois há os intrusos, sobretudo o erre, que tornou 
algumas palavras arrevesadas e arranhadas, como 
neorrealismo ou autorretrato. 
Caíram hifenes e entraram erres que andavam 
errantes. É uma união de facto, para não errar tenho 
a obrigação de os acolher como se fossem família. 

Em 'há de' há um divórcio, não vale a pena criar uma 
linha entre eles, porque já não se entendem. 
Em veem e leem, por uma questão de fraternidade, 
os és passaram a ser gémeos, nenhum usa chapéu.
E os meses perderam importância e dignidade, não 
havia motivo para terem privilégios, janeiro, fevereiro, 
março são tão importantes como peixe, flor, avião. 
Não sei se estou a ser suscetível, mas sem p algumas 
palavras são uma autêntica deceção, mas por outro 
lado é ótimo que já não tenham.

As palavras transformam-nos. 
Como um menino que muda de escola, sei que vou 
ter saudades, mas é tempo de crescer e 
encontrar novos amigos.

Sei que tudo vai correr bem, espero que a ausência do 

cê não me faça perder a direção, nem me fracione, 
nem quero tropeçar em algum objeto abjeto. 
Porque, verdade seja dita, hoje em dia, não se pode ser 
atual nem atuante com um cê a atrapalhar."

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O texto está muito interessante, mas é pena não se saber quem é o autor...!

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