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"Sampaio arranjou uma bolsa para financiar a sua biografia, mas ninguém revela valores
Foi criada uma bolsa que financiou parte da biografia de Sampaio. Autor considera esses apoios "indispensáveis", que ao todo envolveram sete entidades. Ninguém revela valores nem o protocolo da bolsa.
O antigo Presidente da República Jorge Sampaio conseguiu uma bolsa para a produção da sua própria biografia, que lhe foi atribuída pela Fundação Oriente, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) da Universidade Nova de Lisboa, segundo uma destas instituições explicou ao Observador. O logótipo dessas entidades surge lado a lado com o de quatro empresas na contracapa do segundo volume de “Jorge Sampaio: Uma Biografia”. Juntas, estas organizações compõem o grupo de financiadores e patrocinadores dos livros sobre o antigo chefe de Estado. Mas nenhuma das sete entidades revela ao Observador quanto contribuiu para a obra.
Foi em 2006 que Jorge Sampaio convidou o jornalista José Pedro Castanheira para escrever a sua biografia. Logo nesse momento, explica o biógrafo nas páginas iniciais do primeiro volume, o próprio ex-Presidente “dispôs-se a procurar financiadores para o moroso e dispendioso trabalho de investigação, escrita e publicação”. Um apoio “indispensável”, refere José Pedro Castanheira ao Observador, para que a obra – fruto de uma investigação de “dez anos”, que resultou num trabalho com mais de 2.100 páginas e que envolveu cinco investigadores – pudesse ser produzida. Castanheira não participou na negociação de qualquer dos contratos de patrocínio.
Essa tarefa coube à Edições Nelson de Matos, que se juntou à Porto Editora para a publicação dos livros. A primeira negociou o “financiamento” diretamente com cada um dos patrocinadores; à segunda coube o trabalho de impressão, distribuição, promoção e comercialização dos dois volumes.
Uma bolsa criada para a biografia de Sampaio
Parte dos apoios ao livro de José Pedro Castanheira surgiu de uma parceria que juntou duas fundações – Oriente e FLAD – e o IPRI, um instituto associado à Universidade Nova de Lisboa. João Amorim, vogal do conselho de administração da Fundação Oriente, recorda ao Observador o processo que levou à atribuição de uma bolsa a Jorge Sampaio. Em respostas enviada por escrito, Amorim refere ao Observador que, “com o propósito de reconhecer o mérito” de “personalidades que se distinguiram na vida pública”, as três entidades “acordaram entre si instituir a bolsa D. Luís da Cunha”.
O protocolo dessa bolsa estabelece, segundo este responsável da Fundação Oriente, que cabe às três entidades escolher, “de comum acordo”, quais as “personalidades políticas e diplomáticas portuguesas” a quem a mesma é atribuída. A primeira coube, “por unanimidade”, precisamente ao ex-Presidente, para a biografia ser escrita por “um autor/es à sua escolha”.
O mesmo documento, a que o Observador não teve acesso, delimita o âmbito de atribuição da bolsa. De acordo com João Amorim, esse apoio financeiro destina-se a “assegurar a feitura de memórias, de uma biografia ou a preparação de diários, cartas e outros documentos relevantes para a publicação”. Mas não foi possível apurar que outras obras já foram criadas graças à atribuição da bolsa D. Luís da Cunha.
Aliás, ao longo dos últimos dias o Observador procurou referências públicas sobre esta bolsa — protocolo, data de instituição, obras apoiadas, fundos ou tipo de apoios disponibilizados no âmbito da sua atribuição. Mas não existe qualquer dado a este respeito. Foi também pedido às várias entidades que instituíram a bolsa que disponibilizassem essas informações, ou pelo menos que referissem que outros trabalhos mereceram o apoio “comum” de FLAD, Fundação Oriente e IPRI. Os pedidos não obtiveram resposta.
Ninguém revela valores do apoio
Em 2008, quatro anos antes da publicação do primeiro volume, a FLAD decidiu “apoiar a obra de José Pedro Castanheira”, refere Vasco Rato, presidente do conselho executivo da fundação (que nessa época ainda não estava nestas funções). A atribuição da bolsa aconteceu dois anos depois de Sampaio se comprometer a encontrar financiamento para a obra, mas também a fundação não esclarece se a decisão partiu da própria FLAD ou se foi o antigo Presidente da República quem se candidatou ao apoio. Sem o acesso ao protocolo, não é possível apurar o modelo de atribuição das verbas.
Da parte da fundação, a decisão de atribuir a bolsa a Sampaio é justificada com a notoriedade do protagonista, pelas funções que exerceu. “A publicação da biografia de um Presidente da República portuguesa é, sem dúvida, uma iniciativa de interesse público”, considera Vasco Rato.
Dos três parceiros que instituíram a bolsa, apenas o IPRI se escusou a prestar qualquer esclarecimento sobre o apoio concedido para a produção do livro de Sampaio, pelo menos de forma direta.
O Observador contactou a comunicação da Universidade Nova, bem como da reitoria, que remeteram quaisquer esclarecimentos para a direção do IPRI. Feito o contacto oficial, o gabinete de comunicação do IPRI remeteu a questão para Carlos Gaspar, membro da direção e antigo assessor de Jorge Sampaio em Belém para as questões de Timor-Leste. As perguntas foram enviadas a 25 de março e ficaram sem resposta.
Depois de vários contactos por telefone, sem sucesso, o Observador conseguiu que o professor universitário atendesse uma chamada. Foi no dia 29 de março. No entanto, Gaspar recusou-se a explicar, em concreto, como o IPRI contribuiu para a produção da obra. “Não vou falar sobre a biografia do doutor Jorge Sampaio”, começou por dizer o responsável do instituto. Perante a insistência por esclarecimentos, Carlos Gaspar repetiu a sua indisponibilidade para colaborar: “Posso repetir-lhe a resposta, mas está a fazer-me perder o meu tempo.” Quando o Observador tentou perceber de que forma foi decidida a atribuição da bolsa D. Luís da Cunha, a chamada foi desligada.
Depois deste contacto, a Universidade Nova, que o Observador voltou a contactar, pedindo esclarecimentos sobre a relação legal com o IPRI e sobre a própria bolsa que deu origem ao livro do Sampaio, o gabinete de comunicação referiu que, “em 2008, data da atribuição da Bolsa D. Luís da Cunha, o Instituto Português de Relações Internacionais não era uma unidade de investigação da FCSH/NOVA”. E confirmou o ano de atribuição da bolsa, 2008, acrescentando que “a atual direção do IPRI da Universidade Nova de Lisboa regista com agrado a conclusão dessa obra”.
Mota-Engil salvou o segundo volume
Nas primeiras páginas e na contracapa de “Jorge Sampaio – uma Biografia” são divulgadas as entidades que apoiaram a realização do livro. A única diferença, do ponto de vista gráfico, está na inclusão do logótipo da Mota Engil no segundo volume, mas isso não significa que as restantes seis tenham contribuído em ambos os momentos. Ao Observador, Nelson de Matos explica que, apesar de a maior parte dos apoios se ter esgotado no primeiro volume, decidiu, “por uma questão de cortesia” e de “transparência”, manter todas as referências no segundo volume.
Inicialmente, o plano passava por produzir uma biografia de um único volume. “Quando comecei a investigar a vida de Sampaio, não imaginava que ela fosse tão rica e variada”, escreve José Pedro Castanheira no primeiro volume, contextualizando as razões que levaram a que a obra se desdobrasse em dois volumes. É nessa fase que surge a construtora. O apoio da empresa só é procurado quando editorialmente se constata a “necessidade de reforçar o financiamento à investigação, recolha de materiais e produção”, explica Nelson de Matos.
Contactada pelo Observador, a Mota-Engil – que, recorde-se, só patrocinou o segundo volume da biografia — recusou fazer qualquer comentário. No entanto, fonte da empresa explicou que o apoio foi dado “muito depois de Jorge Coelho ter saído de CEO, portanto é injusta qualquer relação por serem ambos do PS”. A mesma fonte revela que a empresa tem “orgulho em associar-se a uma personalidade tão consensual para o país como Jorge Sampaio”.
Além de Fundação Oriente, FLAD, IPRI e da construtora, também a Portugal Telecom, o Banco Português de Investimento (BPI) e o Grupo Visabeira concederam algum tipo de apoio para a realização da obra. Que apoio ou de que montante, não é possível saber porque nenhum dos patrocinadores (daqueles que responderam aos pedidos de esclarecimento), editores ou autor estiveram disponíveis para revelar esse valor.
No que diz respeito à PT, esse apoio foi concedido ainda no tempo da administração de Zeinal Bava (foi nomeado diretor executivo em 2008 e saiu da empresa em 2014). Ao Observador, fonte oficial da empresa não esclarece pormenores sobre o apoio concedido. Diz apenas que é um “tema” que “remonta a 2012, numa altura em que o apoio e patrocínio a atividades culturais abrangia diversos géneros de iniciativas, entre as quais edições de livros, que fossem propostos e tivessem como autores ou protagonistas figuras relevantes no país e/ou que abordassem temáticas de índole histórica e cultural nacionais”.
Já a Visabeira e o BPI, que patrocinaram ambos os volumes, não responderam, até ao momento, às questões enviadas a 23 de março pelo Observador. O biografado, Jorge Sampaio, foi também contactado pelo Observador através da assessoria de imprensa que mantém na Casa do Regalo, onde instalou o seu gabinete depois de deixar Belém. As questões foram enviadas a 24 de março, mas até à publicação deste artigo não tinha chegado qualquer resposta."
(in: observador.pt 31.03.2017)
(in: observador.pt 31.03.2017)
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