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CONTA E TEMPO
Deus pede estrita conta de meu tempo.
E eu vou, do meu tempo, dar-lhe conta.
Mas, como dar, sem tempo, tanta conta,
Eu, que gastei, sem conta, tanto tempo?
Para dar minha conta feita a tempo,
O tempo me foi dado, e não fiz conta.
Não quis, sobrando tempo, fazer conta.
Hoje, quero fazer conta, e não há tempo.
Oh, vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo.
Cuidai, enquanto é tempo, em fazer conta!
Pois, aqueles que, sem conta, gastam tempo,
Quando o tempo chegar, de prestar conta,
Chorarão, como eu, o não ter tempo.
António da Fonseca Soares
(Frei António das Chagas, século XVII)
Quem foi Frei António das Chagas?
"...(...) Antes de professar, o homem chamava-se António da Fonseca Soares. Nasceu na Vidigueira em 1631 e morreu em Varatojo, perto de Torres Vedras, aos 51 anos. Pelo meio, ficou uma vida agitada.
Curiosamente, tal como Bocage, António Soares era filho de um magistrado e de uma senhora estrangeira. Estudou no colégio dos Jesuítas, em Évora, mas a morte do pai forçou-o a abandonar os estudos. O jovem alistou-se no exército e participou na Guerra da Restauração.
Começou cedo a fazer poemas. À maneira de Camões, usava numa das mãos a espada e na outra a pena e tornou-se conhecido como militar e como poeta. Tinha um feitio impetuoso. A mão da espada feriu de morte um rival, num duelo, e António da Fonseca Soares teve de se refugiar no Brasil. Passou três anos na Baía, sem ganhar grande juízo. Em 1656 voltou a Portugal e à guerra. Foi promovido a capitão, pela sua coragem.
Aos 31 anos de idade, voltou-se para Deus e fez-se monge na Ordem de São Francisco. A igreja apreciou sempre os pecadores arrependidos.
Frei António das Chagas chegou a ser um pregador conhecido em todo o País. Dizem que se esbofeteava no púlpito e que chegou a lançar um crucifixo para a assistência, para dar ênfase à pregação. No ano da sua morte, 1682, fundou em Setúbal o Convento de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes.
Praticou variados géneros poéticos, dos sonetos aos madrigais e às glosas. O poema que aqui deixamos é uma pequena maravilha. Frei António das Chagas canta a efemeridade da vida."
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