domingo, 2 de junho de 2013

A morte da executiva bem sucedida

Por Max Gehringer, Revista Exame

Foi tudo muito rápido. A executiva bem-sucedida sentiu uma pontada no peito, vacilou, cambaleou. Deu um gemido e apagou. Quando voltou a abrir os olhos, viu-se diante de um imenso Portal.
Ainda meio zonza, atravessou-o e viu uma miríade de pessoas. Todas vestindo cândidos camisolões e caminhando despreocupadas. Sem entender bem o que estava acontecendo, a executiva bem-sucedida abordou um dos passantes: 

- Enfermeiro, eu preciso voltar urgente para o meu escritório, porque tenho ummeeting importantíssimo. Aliás, acho que fui trazida para cá por engano, porque meu convênio médico é classe A, e isto aqui está me parecendo mais um pronto-socorro. Onde é que nós estamos? 

- No céu. 

- No céu? 

- É. 

- Tipo assim... o céu, CÉU...! Aquele com querubins voando e coisas do gênero? 

- Certamente. Aqui todos vivemos em estado de gozo permanente. Apesar das óbvias evidências (nenhuma poluição, todo mundo sorrindo, ninguém usando telefone celular), a executiva bem-sucedida custou um pouco a admitir que havia mesmo apitado na curva. 

Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das infalíveis técnicas avançadas de negociação, de que aquela situação era inaceitável. Porque, ponderou, dali a uma semana ela iria receber o bônus anual. Além de estar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do conselho de administração da empresa. E foi aí que o interlocutor sugeriu: 

- Talvez seja melhor você conversar com Pedro.

- É? E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária? 

- Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece. 

- Assim? (...) 

- Pois não? 

A executiva bem-sucedida quase desaba da nuvem. À sua frente, imponente, segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro. Mas, a executiva havia feito um curso intensivo de approach para situações inesperadas e reagiu rapidinho: 

- Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou uma executiva bem-sucedida e... 

- Executiva... Que palavra estranha. De que século você veio? 

- Do 21. O distinto vai me dizer que não conhece o termo 'executiva'? 

- Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo.

Foi então que a executiva bem-sucedida teve um insight.  A máxima autoridade ali no paraíso aparentava ser um “zero à esquerda” em modernas técnicas de gestão empresarial. Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático, a executiva poderia rapidamente assumir uma posição hierárquica, por assim dizer, celestial ali na organização. 

- Sabe, meu caro Pedro, se você me permite, eu gostaria de lhe fazer uma proposta. Basta olhar para esse povo todo aí, só batendo papo e andando à toa, para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades para dar um upgrade na produtividade sistêmica. 

- É mesmo? 

- Pode acreditar, porque tenho PhD em reengenharia. Por exemplo, não vejo ninguém usando crachá. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem faz o quê? 

- Ah, não sabemos. 

Headcount, então, não deve constar em nenhum versículo, correto?

- Hã? 

- Entendeu o meu ponto? Sem controle, há dispersão. E dispersão gera desmotivação. Com o tempo isto aqui vai acabar virando uma anarquia. Mas nós dois podemos consertar tudo isso rapidinho implementando um simples programa de targetsindividuais e avaliação de performance

- Que interessante... 

- Depois, mais no médio prazo, assim que os fundamentos estiverem sólidos e o pessoal começar a reclamar da pressão e ficar estressado, a gente acalma a galera bolando um sistema de stock option, com uma campanha motivacional impactante, tipo: 'O melhor céu da América Latina'. 

- Fantástico! 

- É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarquização e um organograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfis psicológicos não consigam resolver. 

- !!!...???... !!!...??? ...!!! 

- Aí, contrataríamos uma consultoria especializada para nos ajudar a definir as estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metas factíveis de leverage, maximizando, dessa forma, o retorno do investimento do Grande Acionista... Ele existe, certo? 

- Sobre todas as coisas. 

- Ótimo. O passo seguinte seria partir para um downsizing progressivo, encontrar sinergias hightech, redigir manuais de procedimento, definir o marketing mix e investir no desenvolvimento de produtos alternativos de alto valor agregado. O mercado telestérico, por exemplo, me parece extremamente atrativo. 

- Incrível! 

- É óbvio que, para conseguir tudo isso, nós dois teremos que nomear um board de altíssimo nível. Com um pacote de remuneração atraente, é claro. Coisa assim de salário de seis dígitos e todos os fringe benefits e mordomias de praxe. Porque, agora falando de colega para colega, tenho certeza de que você vai concordar comigo Pedro; o desafio que temos pela frente vai resultar em um turnaround radical. 

- Impressionante! 

- Isso significa que podemos partir para a implementação? 

- Não. Significa que você terá um futuro brilhante... se for trabalhar com o nosso concorrente. Porque você acaba de descrever, exatamente, como funciona o Inferno...


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