No livro "Jacarandá e Mulemba":
"Bilhete de identidade
Nasci branco de segunda
Calcinhas ou kaluanda
Nasci com os pés no mar
em São Paulo de Loanda
Brinquei de pé descalço
Em poças de águas castanhas
Tive lagartas da caça
Não escapei às matacanhas
Comi manga sape-sape
Fruta-pinha tamarindo
Mamão a gente roubava
No quintal do velho Zindo
Pirolito que pega nos dentes
Baleizão, paracuca
E carrinhos de rolamentos
Numa corrida maluca
Tinha o Gelo, tinha a Biker
Miramar e Colonial
O Ferrovia, o Marítimo
Chás dançantes no Tropical
O N'Gola era só ritmo
O Liceu uma lenda
Kimuezo e Teta Lando
E os Ases do Prenda
Havia velhas que fumavam
E velhos com ar de sábio
Enquanto novas músicas
Se insinuavam na rádio
"E a cidade é linda
É de bem querer
A minha cidade é linda
Hei-de amá-la até morrer"
Quem não estudou no Salvador?
Quem não se lembra do Videira?
E das garinas de bata branca
Nossas colegas de carteira?
Depois havia o Kinaxixe
Futebol era nos Coqueiros
Havia praias, um mar quente
Savanas imensas, imbondeiros
E havia o som do vento
O cheiro da terra molhada
As chuvas arrasadoras
O fogo das queimadas
E havia todos os loucos
Do progresso e da guerra
A Joana Maluca, o Gasparito
A desgraça daquela terra
Nasci branco de segunda
Calcinha ou kaluanda
Nasci com os pés no mar
Em São Paulo de Loanda"
Outro poema lindo no livro "Aroma de pitangas num país que não existe":
"Com África no peito
E vamos andando
com África no peito
Já passaram três décadas
e há 7200 quilómetros de distância
mas não perdemos o jeito
Basta um merengue, um funaná,
uma morna, uma coladera
Basta um cheiro tropical
caju fresco, manga, mamão
óleo de dendém, jindungo
E lá vem África de novo
A África que nos entrou
pelos cinco sentidos
pelos sete buracos
da nossa cabeça
Pelo cheiro a terra molhada
pelo som da batucada
pelo sabor da muambada
Pela visão desse pôr-do-sol avermelhado
que não há em mais nenhum lado
E pelo meu olhar que segue
a tua pele negra de ébano
Por muita Europa que nos cerque
Há uma África que vive
e resiste
dentro de nós"
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