Sócrates: porquê tanto ódio?
É o título do inesperado(?) artigo de opinião publicado ontem no jornal "Público", da autoria da jornalista Maria Antónia Palla, mãe do primeiro-ministro António Costa e de Ricardo Costa, também jornalista, do jornal "Expresso",
«Quando, no dia 21 de Novembro de 2014, José Sócrates desembarcou do avião que o trouxera de Paris e encontrou a polícia à sua espera, bem como os meios de comunicação social que haviam sido avisados da sua chegada, era fácil a qualquer observador concluir que o espectáculo estava montado.
O desenrolar da acção seguir-se-ia. O ex-primeiro-ministro ficou detido com o argumento de que a sua libertação comportava o perigo de fuga. Argumento bizarro, porque não parece lógico que alguém que pretenda fugir à justiça do seu país regresse a ele de livre vontade.
Até essa altura, eu não nutria especial simpatia por Sócrates. Daí ter aceite ser mandatária nacional da candidatura de João Soares a secretário-geral do PS, em 2005. O seu adversário era José Sócrates, que saiu vencedor com considerável vantagem.
Posteriormente, foi durante um seu Governo que, em 2006, foi encerrada a Caixa de Previdência dos Jornalistas, à qual, como presidente, dediquei dez anos da minha vida e que constituiu para a classe jornalística uma considerável perda, sem que o Sistema de Saúde em Portugal tenha retirado qualquer benefício dessa decisão.
Não tinha, pois, qualquer razão pessoal que motivasse a minha mudança de opinião a respeito do ex-primeiro-ministro. Foi o meu conceito de liberdade e de justiça que, por imperativo de consciência, me levou a manifestar a José Sócrates a minha solidariedade.
Desde a sua chegada a Portugal, Sócrates tem sido objecto de um tratamento impensável num país que recuperou a Democracia após meio século de ditadura.
O período de prisão preventiva que lhe foi imposto ultrapassou o que era normalmente aplicado no antigo regime. O condicionamento de libertação mediante imposição de pulseira electrónica foi mero propósito de humilhação. Não contavam com a personalidade e a coragem de um homem que, ao vexame a que o queriam sujeitar, preferiu permanecer na prisão. O seu orgulho pessoal acabou por vencer a cobardia dos que pretenderam domesticá-lo.
Durante sete anos, lutou pelo que considera a sua verdade. Resistiu ao isolamento social. Enfrentou sucessivas campanhas de manipulação da opinião pública. Finalmente fez-se alguma justiça. E aí os seus adversários perderam a cabeça.
Nunca, na minha longa vida, assisti em directo a manifestações de ódios tão profundas como as que tenho observado através das televisões. Entrevistas, debates, só com pessoas da mesma opinião. O contraditório não existe. As regras mais primárias do jornalismo foram enterradas.
Há alguns séculos atrás gritariam “Sócrates para a fogueira!”. Agora dizem-no de forma mais sofisticada. Mas queimam à mesma uma pessoa, destruindo o seu passado, infectando o seu presente, roubando-lhe o futuro.
O que está, quem está por detrás desta demência? Até onde se irá parar? Detentores de um poder que julgam eterno, não lhes chega liquidar um homem. Atingem agora o juiz que cumpre o seu papel.
O juiz Ivo Rosa, na observância da lei, deu como prescrito o que tinha de ser prescrito. Sobre ele abatem-se já os gritos histéricos de jornalistas e comentadores de serviço, sedentos de popularidade, clamando contra a prescrição do crime, passado o limite do tempo de investigação.
Na opinião destes visionários do mal, todos nós, a partir de denúncia de um particular ou do próprio Estado, estaríamos sob a ameaça de prisão perpétua, acusados de crimes para os quais não se encontravam provas. A Ditadura chamou-lhe “medidas de segurança”.
Haverá melhor contributo para o regresso a um passado que sonhamos enterrado na História?
No dia 27 de Abril de 1974, quando me sentei em frente da minha velha máquina para contar aos leitores a Revolução que os meus olhos viram, bati o texto e acabei assim: “Agora que temos a liberdade, o que vamos fazer com ela?”
Passaram 47 anos. Continuo à espera da resposta. Como os contestatários de Maio de 68, direi que “não sei o que quero, mas sei o que não quero”. De uma coisa estou certa: Justiça sem compaixão não é Justiça.»
Publicada por Daniel Furtado in chuva-bomtempo.blogspot.com
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