domingo, 22 de março de 2020

A crise do COVID implica uma reflexão profunda

imagem tirada de https://combatefakenews.lusa.pt/f

A crise que este maldito vírus está a provocar em todo o mundo, é uma crise que põe em risco a saúde, a economia, as empresas, os postos de trabalho, o ensino em todas as escolas e universidades, as férias das famílias, enfim...põe a vida das populações mundiais completamente, "de pernas para o ar".

Ao ler o "Editorial - Do Diretor" da Revista Sábado, de 19 a 25 de março de 2020, na página 8, e escrito por Eduardo Dâmaso, não posso deixar de o partilhar aqui, pela maneira direta e objectiva como nos consegue transmitir exatamente como tudo se passa e o "calvário" por que se está a passar, diariamente.

Com a devida vénia, então aqui vai:

O mundo em quarentena

Estudo apresentado em setembro pela OMS e pelo Banco Mundial é claro: líderes mundiais têm respondido às emergências sanitárias com ciclos de pânico e negligência. Nada mais certo e de prova abundante. 


Como se previa aí estão as consequências de um pequeníssimo vírus e o mundo a entrar de quarentena. Em poucos dias, milhares de mortos e infetados em todo o lado, serviços de saúde em colapso, populações acantonadas na trincheira doméstica, milhares de empresas em Portugal e por essa Europa fora mandam os seus trabalhadores para um desemprego parcial, milhares de pequenas e médias empresas estão na iminência de fechar, orçamentos de publicidade cancelados, turismo parado, milhares de grandes empresas perdem fortunas nas bolsas, milhares de aviões ficam em terra. A vida social e cultural parou em toda a Europa e a economia mundial está no vermelho. A Europa está sequestrada pelo coronavírus e o mundo para lá caminha. E ninguém se pode queixar de não ter sido avisado sobre os riscos de uma grave pandemia.

Em setembro passado a Organização Mundial de Saúde e o Banco Mundial apresentaram um vasto estudo sobre o risco de pandemias de doenças infecciosas muito graves, como o coronavírus. As conclusões eram um alerta esmagador. O estudo, intitulado O Mundo em Risco, apontava as mudanças climáticas, a urbanização desenfreada, a falta de água e de saneamento básico em países com estados muito frágeis, conflitos armados muito prolongados, a rapidíssima circulação de pessoas e bens na nova economia da globalização, as migrações descontroladas e em massa como as principais causas de criação e propagação de estirpes muito violentas. Sobretudo, o estudo dizia muito claramente que ninguém está preparado para enfrentar este desafio e que os líderes mundiais têm respondido às emergências de saúde pública com ciclos de pânico e negligência. Nada mais certo, como agora se prova de forma abundante. Até ao fim de 2019 apenas 59 países tinham um Plano de Ação para a Segurança na Saúde, mas nenhum deles tinha sido expressivamente financiado. Na verdade, nem políticos, nem cidadãos, dedicaram uns minutos a esta realidade, que também já não se pode sequer dizer que seja emergente, tendo em conta as décadas que passaram de várias pandemias muito graves.

Hoje, portanto, é fácil fazer o debate da falta de preparação do Estado para enfrentar o coronavírus. Mas, nesta fase, não devemos ficar por aí. Em Portugal, tivemos logo a trágica metáfora do empresário italiano que veio visitar uma fábrica de Felgueiras e, ao apresentar sintomas gripais, ficou cinco horas fechado numa ambulância à porta da fábrica. Ninguém sabia o que fazer, ninguém tinha o equipamento adequado. Por isso, é sem surpresa que se assiste à falta de equipamentos básicos no serviço nacional de saúde e na protecção civil. Muito menos surpreende a falta de ventiladores, camas nos hospitais, atrasos na linha Saúde 24. 

A política de Saúde dos sucessivos governos tem sido um desastre. Às cativações de verbas dos últimos anos, soma-se o corte draconiano do investimento na Saúde nos anos da troika e a bancarrota de Sócrates. O SNS, que é uma conquista excecional, não pode continuar a ser debatido em termos puramente ideológicos. O PS tem-se armado em guardião do SNS, mas pouco mais tem feito para melhorar a sua administração e prestação de cuidados básicos, do que gerir a crise. 
À sua esquerda, PCP e BE resguardam-se no discurso puramente reivindicativo, como se os recursos fossem infinitos. À direita, o PSD e o CDS têm oscilado entre o nada absoluto e a visão ultraliberal, de favorecimento do setor privado. Enquanto não for procurado um verdadeiro consenso político sobre o SNS, alargado ao maior número possível de partidos e assente num rigoroso diagnóstico do estado dos serviços, que não mude consoante os resultados eleitorais, nunca sairemos da cepa torta. E, aí, a culpa também é nossa, cidadãos, que pela inércia e pela demissão cívica, consentimos aos partidos liberdade total numa matéria em que toda a sociedade deveria estar organizada para se fazer ouvir e pressionar o sentido das decisões, desde logo orçamentais. Como é possível pagar uma crise bancária que gerou perdas multimilionárias, causadas por gestores criminosos, que nunca foram nem serão penalizados, e deixar os profissionais da Saúde, Educação e Segurança entregues a salários miseráveis!? 

Esta crise deveria implicar uma reflexão profunda sobre a relação de nós todos com a política e com a informação rigorosa e objetiva. Não deveríamos olhar para a política com a atual indiferença nem deixar cair as grandes marcas de jornalismo. Uma sociedade bem informada é uma sociedade mais livre e democrática. É necessário refletir sobre os mecanismos de decisão política e sobre o próprio Estado e a sua missão social. É essencial que os partidos percebam que essa exigência não vai parar. Desde logo porque o vírus, como diz a OMS, não será uma exceção no nosso tempo histórico. Se deixarmos, por omissão, ele será o novo normal. Mas essa é uma reflexão a fazer depois de vencermos esta crise. Unidos, atentos e exigentes, venceremos o bicho.

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