quarta-feira, 2 de junho de 2021

Ai, "a bolha" rebentou mesmo no Porto...

Fomos confrontados há umas semanas atrás com um novo termo em Portugal: "bolha".

Não é que não se oiça já há uns anos "aquela hoje está com a bolha..." (está com a birra, está "mal disposta"), "a bolha da economia" etc... 

Parece estar a haver uma tendência para atribuir à palavra outros novos sentidos, está a servir para se dizer tudo. Agora, a torto e a direito, só se fala na "bolha".

Mas, o que é verdadeiramente "a bolha"? É que o termo agora é usado para tudo e mais alguma coisa. E a propósito dos acontecimentos da Final da Champions, então é que tem sido!

Vamos ver se percebemos bem este novo vocábulo que está a tentar "entrar" e "ficar" na nossa língua... e em que contextos está a ser usado... É uma boa reflexão que temos de fazer para vermos como usamos certos termos na gíria.


imagem in br.depositphotos.com



in expresso.pt

David Dinis Diretor-Adjunto 

A bolha que rebentou na Champions. E a hora de acabar com o medo

1 de junho de 2021

Primeiro o que se passou na final da Champions:

Portugal quis ficar com a final da Champions para mostrar que em Portugal está tudo bem e chamar os ingleses de volta. Era bem visto, era

redimir
o país
do Verão
passado.

Mas o plano tinha um risco:
em Portugal não há jogos com público, em Portugal não há festas nas ruas, em Portugal nem podemos estar mais de 10 sentados à mesa - nem à esplanada. Por isso, as autoridades criaram “a bolha” para trazer os ingleses. Leia-se: os adeptos só podiam no sábado, com cadeira reservada no estádio, teste realizado e bilhete de ida comprado - para o dia seguinte.

Só que o Governo que pensou "a bolha" rebentou com ela a seguir, quando decidiu reabrir os aeroportos aos turistas britânicos, sem exigir quarentena. Mas vivendo numa outra bolha, a do medo dos últimos 15 meses, o Governo não adaptou os planos, nem a estratégia, nem a mensagem. E sabemos o que se seguiu: Marcelo irritou-se, os partidos pediram contas, os governantes perderam-se em explicações e em pedidos para que respeitemos todos as regras (um, depois outro, depois Costa, e ainda Graça Freitas). Tarde demais, porque a bolha da paciência já tinha rebentado, ficando a ideia de um país em que há filhos e enteados.

Só que
os enteados
aqui
somos nós.

E nós que nos pusemos logo a pensar como vai ser nos Santos, como vai ser durante o Euro que aí vem, como vai ser nas praias - onde nos exigem máscaras, nos prometem multas e nos ameaçam com policiamento reforçado.

O mais preocupante disto tudo nem é a Champions, nem serão os Santos, nem tão pouco a praia. O preocupante é olhar para o Governo e pressentir nas explicações o medo. Porque chegou a altura de alguém explicar ao país de maneira muito determinada:

Sim,
temos mesmo
de perder o medo
do vírus.

É certo: foram 15 meses a alimentar o medo. Porque era preciso, porque não havia outra arma, porque não havia escolha possível: o SNS não estava preparado, a população era um alvo frágil. Mesmo com medo Portugal esteve duas vezes nos cuidados intensivos. Muitos morreram, muitos mais morreriam não houvesse medo. A economia não tinha defesas. Mas esse tempo está a acabar.

15 meses depois, temos 3.833.554 com uma dose da vacina e 1.848.279 com vacina completa. Entre eles contam-se os que teriam maior risco de morte.

15 meses depois, já sabemos que a vacina funciona: minimiza o contágio, quase anula a sua gravidade, protege os serviços de saúde. A vacina tem esse poder, de nos proteger.

Sim, a vacina é um sucesso. De tal modo que foi possível, há quase um mês, milhares celebrarem a vitória do Sporting sem que isso se notasse nos números: ainda ontem, apesar de continuarmos a assustar-nos com os mais de 400 novos casos num dia (chegamos a ter 15 mil), o número de pessoas em cuidados intensivos continuou a diminuir.

Assim sendo, é altura de começar a tratar das nossas vidas. E, lá está,

de dizer
ao país
que é hora
de vencer o medo.

Porque não é possível continuar a pedir aos portugueses todos que não se juntem em família ou em grupos de amigos, que não vão a concertos à noite, que não fiquem num restaurante depois das 22h30, que não tenham um bar para beber um copo, que não podem ir a um jogo de futebol - sabendo que aqui ao lado poderão ir ver Portugal jogar contra Espanha num estádio que terá 27 mil pessoas dentro.

Porque já não é possível continuar a pedir aos portugueses, com os seus mais frágeis vacinados, com quatro milhões de vacinados, com um SNS pronto a responder, com uma economia para pôr a andar, com os turistas a voltar, que continuem a fazer uma vida a medo, como se Portugal não fizesse parte de uma Europa que ganhou a luta pela ciência precisamente para nos devolver a vida.

Na última sexta-feira, um dia antes da Champions que rebentou com a bolha da paciência coletiva, houve já um português que disse isto, na sala fechada do Infarmed, aos peritos que pediam que não largássemos o medo.

Esse português disse que já não é "evidente" a primazia da saúde sobre a vida económica e social, porque

“a pobreza,
a insolvência,
a falência,
são situações que atingem direitos fundamentais das pessoas”,

disse o Presidente, que ontem repetiu para quem não tenha ouvido:
“O desconfinamento vai continuar, já não é possível voltar atrás, o mais difícil está feito e não vamos estragar o que deu tanto trabalho a fazer". E acrescentou que, lá onde está, na Eslovénia, não há Santos, mas há um enfermeiro que lhe jurou "que é em Portugal que vai passar férias”.

No Infarmed, o primeiro-ministro ouviu e nada disse.
Mas amanhã, quarta-feira, António Costa terá de decidir, olhando o país e a Europa à sua volta,

se vamos continuar paralisados,
ou se,
tratando este vírus com respeito,
adaptamos as regras para podermos viver com ele,
sem morrer de medo.

Já é hora.


PONTO DE VISTA 
VISÃO DO DIA 

REBENTA A BOLHA. E A AUTORIDADE MORAL DO ESTADO, TAMBÉM?

Havia a promessa de não repetir o que aconteceu na conquista do campeonato pelo Sporting, mas a ideia das “bolhas” de segurança, que deveriam garantir o isolamento dos mais de 17 mil adeptos no percurso aeroporto-estádio-aeroporto para a final da Champions no Porto, saiu beliscada durante o fim de semana.

Os telejornais abriram com imagens de milhares de adeptos britânicos (alegadamente os que não tinham bilhete para o jogo) a consumirem álcool na via pública, nem sempre com máscara nem a respeitar distanciamento social, e envolvidos em pancadaria e confrontos com a polícia. Na sexta-feira, questionado à margem de um evento pelos jornalistas o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, limitava-se a dizer sobre as aglomerações: “Estamos aqui, não sei. Espero que seja um bom jogo”. Horas depois, Marcelo Rebelo de Sousa demarcava-se do sucedido - “Não é possível dizer que vêm em bolha e depois não vêm em bolha” -, mas acabando por relativizar com um “acontece”. Rui Moreira, que uma semana antes garantira que na Invicta não aconteceria o mesmo que nos festejos dos leões em Lisboa, acabou a trocar galhardetes com Rui Rio, acusando-o de “portofobia”, após o líder social-democrata, no Twitter, ter instado o autarca do Porto e o Governo a pedirem desculpa aos portugueses

Depois da vitória do Chelsea, e com milhares de adeptos de regresso a casa ou a aproveitarem mais umas horas por Portugal, a chamada à realidade veio já este domingo, quando a ARS Norte recomendou vigilância e redução de contactospor 14 dias a quem frequentou no sábado, no Porto, locais relacionados com a final. Foi o reconhecimento oficial de que a bolha, afinal, não terá aguentado. Resta saber se, ao explodir, também o fez nas mãos do Estado. E se, a pretexto de umas horas de receita turística e de exposição mediática, não chamuscou ainda mais a sua autoridade moral para manter - ou pedir mais - sacrifícios.

In Visão do dia - Ponto de Vista, por Paulo Zacarias Gomes, 31 de maio de 2021

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