domingo, 2 de maio de 2010

Dia da Mãe

 Poema dedicado a minha Mãe





No mais fundo de ti,


eu sei que traí, mãe.


Tudo porque já não sou


o menino adormecido


no fundo dos teus olhos.




Tudo porque tu ignoras


que há leitos onde o frio não se demora


e noites rumorosas de águas matinais.


Por isso, às vezes, as palavras que te digo


são duras, mãe,


e o nosso amor é infeliz.



Tudo porque perdi as rosas brancas


que apertava junto ao coração


no retrato da moldura.




Se soubesses como ainda amo as rosas,


talvez não enchesses as horas de pesadelos.




Mas tu esqueceste muita coisa;


esqueceste que as minhas pernas cresceram,


que todo o meu corpo cresceu,


e até o meu coração


ficou enorme, mãe!




Olha - queres ouvir-me? -


às vezes ainda sou o menino


que adormeceu nos teus olhos;


ainda aperto contra o coração


rosas tão brancas


como as que tens na moldura;


ainda oiço a tua voz:




Era uma vez uma princesa


no meio de um laranjal...




Mas - tu sabes - a noite é enorme,


e todo o meu corpo cresceu.




Eu saí da moldura,


dei às aves os meus olhos a beber.



Não me esqueci de nada, mãe.


Guardo a tua voz dentro de mim.




E deixo-te as rosas.


Boa noite. Eu vou com as aves.


                                             Eugénio de Andrade


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