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As palavras de Cavaco Silva, quando há dias indigitou a coligação de Passos Coelho para um segundo mandato, têm tido inúmeras interpretações nos meios de comunicação social...
Houve muitas reações pelo país inteiro e um desdobrar de notícias e programas na TV em volta deste assunto.
Partilho aqui uma dessas notícias, por me parecer a interpretação mais equilibrada e mais fiel em relação ao discurso do Presidente da República.
Outra República?
1. O Presidente da República não é um cabide.
Compete-lhe voz, opinião, critério e fundamentação.
Foi o que fez no pleno entendimento da natureza das
suas funções.
Com considerações a mais? Porventura, mas seja como
for o país, daqui uns meses – quando for tarde de mais –
lembrar-se-á de cada uma das suas palavras.
Fez um discurso forte, o que é porém muito distinto de ter
feito um discurso violento e divisionista como
– por exemplo – o que fez Sampaio quando despediu
Santana Lopes, que estava escorado numa maioria absoluta,
política, coerente e não meramente numérica e
descaradamente artificial como a suposta existir hoje.
(Sugiro a propósito a leitura das reações de aplauso e
jubilo dos líderes do PS, do PCP e do BE face a esse
extraordinário gesto do então Presidente – vistas à luz
do que a esquerda diz hoje, acusa hoje e insulta hoje,
essas reações são quase indecorosas).
a) Ao contrário do que se disse – muitas vezes
insultuosamente e num tom raramente praticado entre
nós –, Cavaco Silva não alertou os “mercados”, alertou-nos a
nós e ao país para o que irá ser o previsível comportamento
dos fatídicos mercados – e do BCE e de Bruxelas e das suas
regras de jogo. Não é de todo o mesmo que ter
decidido malevolamente “alertar” esse universo, que para
o bem e para o mal, é o nosso.
b) Não “uniu” o PS – nem um mágico hoje o uniria! –,
nem dividiu deputados. Enfatizou a responsabilidade de
cada um deles neste momento, o que não é pouco, mas
não é o mesmo. Estando o jogo político circunscrito
à arena parlamentar, porque não há-de o Chefe do Estado
pedir aos jogadores que atentem no jogo?
c) Não disse que nunca daria posse a um governo
de extrema-esquerda. Nem podia, como é óbvio e ele
bem sabe. Disse que não dava “agora” e explicou porquê.
Mas ao mesmo tempo e justamente com o que disse “agora”,
avisou as navegações do mau tempo que as espera.
Se no uso das suas prerrogativas o Presidente da Republica
acha que os programas partidários e as vontades
políticas da extrema-esquerda, uma vez aplicadas, lesam o
interesse nacional, porque não há-de dizê-lo?
Soares fez o mesmo, Sampaio fez o mesmo.
A escolha, cabe agora e bem, aos deputados.
A serem derrubados, Passos Coelho e a coligação devem
sê-lo no Parlamento e não por António Costa na rua
ou num cabeçalho de jornal.
2. A eleição de Ferro Rodrigues não surpreende nem ao
de leve.
Mas ao contrário do que se disse – com esta mania de
acharem que meio país é estúpido – não foi nem o verbo,
nem o tom do Presidente que “elegeu” Ferro.
Quem se julga a dez minutos e a dez metros do poder
e das suas benesses como qualquer deputado socialista
se julga – nem que ao nível de um sublugar num
qualquer falido organismo estatal – não corria o risco de ir
ao dentista nesse dia, falhando a votação.
Do mesmo modo que nenhum parlamentar do PS irá ao
médico ou ao Porto ver a mãe na votação do programa
do Governo. Sendo óbvio que uma parte do PS não
comprou esta louca aliança política, não se revê nela e está
à espera de ajustar contas com António Costa, o tempo
é de medir conveniências próprias. Não é o momento para
ser livre, nem para estar à altura da herança do PS nestes
40 anos. Ninguém ousará hoje um passo em falso.
A coragem dá trabalho. Sabe-se lá o que é o dia de amanhã.
3. Depois do líder do PS ter solenemente avisado o país de
que nunca votaria uma moção de rejeição ao Governo sem
dispor de uma alternativa, não dispondo de uma alternativa
vai votar a moção de rejeição ao governo.
A boa companhia da extrema-esquerda vai saltar-lhe ao
caminho e – mais cedo que tarde – arreganhar-lhe o dente,
já todos os disseram, em todos os tons. Até lá espera-se
o parto do acordo que – de momento – persiste em não
ver a luz da glória. Ou terá sido por acaso ou por
“razões pessoais” que Cavaco Silva referiu como
“inconsistente” algo que ainda não existia?
De “consistente” o que há verdadeiramente é a obsessão
de António Costa com o lugar de Passos Coelho.
Basta (saber) ouvir Jerónimo de Sousa, o adorado “avô”
da media durante a campanha eleitoral, para observar o
pouco que ali se costuma brincar em serviço: o PCP
precisa de oxigénio para a CGTP, precisa de não ser
subalternizado, precisa de moedas de troca para os seus
e como tal agirá. E assim sendo, ambas as facturas a
pagar, a do BE que já conhecemos e a do PCP se
este vier a apresentá-la, serão caríssimas.
Cá estaremos para ver, e infelizmente para as pagar.
Mas… e Mário Centeno? Há dias mandaram-me um mail
com o vídeo de uma conferência de imprensa sua,
realizada há meses, no Largo do Rato. Perguntei a quem
me enviou se era uma montagem ou uma dobrarem
(que foi o que me pareceu). Não era. Era a sério.
Espantei-me com o comportamento desnorteado de
Mário Centeno, balbuciando, sorriso cativante mas olhar
de náufrago, a sua impossibilidade de responder a uma
questão com o argumento de “serem muitos números”.
Mas o que não julguei possível foi que o coordenador de
um programa económico “de governo” tenha vindo
a assistir, impávido e mudo, à descaracterização, step by step,
daquilo que seriamente procurou inspirar e coordenar.
Que dirá a si mesmo ao fim do dia deste vexame?
A vida continua e Mário Centeno continua a frequentar a
extrema-esquerda ao lado de Costa: como se nada
fosse e caucionando tudo.
4. Andam para aí apostas sobre se Cavaco Silva
indigitará António Costa para liderar um governo integrado
ou apoiado por radicais se a coligação for chumbada
como sofregamente a esquerda anuncia.
Também circulavam apostas sobre se o Presidente indigitaria
Passos Coelho para formar novo Executivo quando era bem
de ver que não podia fazer outra coisa.
Não valiam a pena nem as apostas, nem as ânsias.
Agora também não. E só os que não medem nem alcançam
o que significaria para o país um governo de gestão podem
prosseguir com as apostas.
5. Há gente dividida, um clima crispado, tensão no ar,
radicalismo, linguagem insultiva. Uma revolução, em acabando
– mal ou bem –, esgota-se. Por natureza e definição nada disso
pode ser comparável ao tempo politico que vivemos hoje,
numa democracia estabelecida e num Estado de direito,
mesmo se uma e outro em acentuada perda de sentido e de
valores.
Aflige-me e perturba-me este estado de coisas. Está a ir-se
tão longe na irracionalidade nos modos e nos procedimentos
políticos que o retrocesso vai ser difícil e o reequilibro
porventura impossível. Talvez já só noutra República.
De um dia para o outro – literalmente –, metade do país
passou, aos olhos da esquerda, a ser constituída por inimigos
em vez de adversários, olhados com acinte, tratados
com inclassificável desprezo, (quase) acusados de traição
e sem direitos políticos.
Os grandes mestres do ressentimento, os grandes
encenadores do ódio, os praticantes da crispação,
podem dormir descansados.
Eu é que talvez não consiga."
in observador.pt
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