quinta-feira, 29 de outubro de 2015

As palavras do Presidente...

in: observador.pt
As palavras de Cavaco Silva, quando há dias indigitou a coligação de Passos Coelho para um segundo mandato, têm tido inúmeras interpretações nos meios de comunicação social... 

Houve muitas reações pelo país inteiro e um desdobrar de notícias e programas na TV em volta deste assunto.

Partilho aqui uma dessas notícias, por me parecer a interpretação mais equilibrada e mais fiel em relação ao discurso do Presidente  da República.

Outra República?



1. O Presidente da República não é um cabide. 
Compete-lhe voz, opinião, critério e fundamentação. 
Foi o que fez no pleno entendimento da natureza das 
             suas funções. 
Com considerações a mais? Porventura, mas seja como 
for o país, daqui uns meses – quando for tarde de mais – 
lembrar-se-á de cada uma das suas palavras. 
Fez um discurso forte, o que é porém muito distinto de ter 
feito um discurso violento e divisionista como 
– por exemplo – o que fez Sampaio quando despediu 
Santana Lopes, que estava escorado numa maioria absoluta, 
política, coerente e não meramente numérica e 
descaradamente artificial como a suposta existir hoje. 
(Sugiro a propósito a leitura das reações de aplauso e 
jubilo dos líderes do PS, do PCP e do BE face a esse 
extraordinário gesto do então Presidente – vistas à luz 
do que a esquerda diz hoje, acusa hoje e insulta hoje, 
essas reações são quase indecorosas).
a) Ao contrário do que se disse – muitas vezes 
insultuosamente e num tom raramente praticado entre 
nós –, Cavaco Silva não alertou os “mercados”, alertou-nos a 
nós e ao país para o que irá ser o previsível comportamento 
dos fatídicos mercados – e do BCE e de Bruxelas e das suas 
regras de jogo. Não é de todo o mesmo que ter 
decidido malevolamente “alertar” esse universo, que para 
o bem e para o mal, é o nosso.
b) Não “uniu” o PS – nem um mágico hoje o uniria! –, 
nem dividiu deputados. Enfatizou a responsabilidade de 
cada um deles neste momento, o que não é pouco, mas 
não é o mesmo. Estando o jogo político circunscrito 
à arena parlamentar, porque não há-de o Chefe do Estado 
pedir aos jogadores que atentem no jogo?
c) Não disse que nunca daria posse a um governo 
de extrema-esquerda. Nem podia, como é óbvio e ele 
bem sabe. Disse que não dava “agora” e explicou porquê. 
Mas ao mesmo tempo e justamente com o que disse “agora”, 
avisou as navegações do mau tempo que as espera. 
Se no uso das suas prerrogativas o Presidente da Republica 
acha que os programas partidários e as vontades 
políticas da extrema-esquerda, uma vez aplicadas, lesam o 
interesse nacional, porque não há-de dizê-lo? 
Soares fez o mesmo, Sampaio fez o mesmo. 
A escolha, cabe agora e bem, aos deputados. 
A serem derrubados, Passos Coelho e a coligação devem 
sê-lo no Parlamento e não por António Costa na rua 
ou num cabeçalho de jornal.
2. A eleição de Ferro Rodrigues não surpreende nem ao 
              de leve. 
Mas ao contrário do que se disse – com esta mania de 
          acharem que meio país é estúpido – não foi nem o verbo, 
              nem o tom do Presidente que “elegeu” Ferro. 
Quem se julga a dez minutos e a dez metros do poder 
e das suas benesses como qualquer deputado socialista 
se julga – nem que ao nível de um sublugar num 
qualquer falido organismo estatal – não corria o risco de ir 
ao dentista nesse dia, falhando a votação. 
Do mesmo modo que nenhum parlamentar do PS irá ao 
médico ou ao Porto ver a mãe na votação do programa 
do Governo. Sendo óbvio que uma parte do PS não 
comprou esta louca aliança política, não se revê nela e está 
à espera de ajustar contas com António Costa, o tempo 
é de medir conveniências próprias. Não é o momento para 
ser livre, nem para estar à altura da herança do PS nestes 
40 anos. Ninguém ousará hoje um passo em falso. 
A coragem dá trabalho. Sabe-se lá o que é o dia de amanhã.
3. Depois do líder do PS ter solenemente avisado o país de 
que nunca votaria uma moção de rejeição ao Governo sem 
dispor de uma alternativa, não dispondo de uma alternativa 
vai votar a moção de rejeição ao governo. 
A boa companhia da extrema-esquerda vai saltar-lhe ao 
caminho e – mais cedo que tarde – arreganhar-lhe o dente, 
já todos os disseram, em todos os tons. Até lá espera-se 
o parto do acordo que – de momento – persiste em não 
ver a luz da glória. Ou terá sido por acaso ou por 
“razões pessoais” que Cavaco Silva referiu como 
“inconsistente” algo que ainda não existia? 
De “consistente” o que há verdadeiramente é a obsessão 
de António Costa com o lugar de Passos Coelho.
Basta (saber) ouvir Jerónimo de Sousa, o adorado “avô” 
da media durante a campanha eleitoral, para observar o 
pouco que ali se costuma brincar em serviço: o PCP 
precisa de oxigénio para a CGTP, precisa de não ser 
subalternizado, precisa de moedas de troca para os seus 
e como tal agirá. E assim sendo, ambas as facturas a 
pagar, a do BE que já conhecemos e a do PCP se 
este vier a apresentá-la, serão caríssimas. 
Cá estaremos para ver, e infelizmente para as pagar.
Mas… e Mário Centeno? Há dias mandaram-me um mail 
com o vídeo de uma conferência de imprensa sua, 
realizada há meses, no Largo do Rato. Perguntei a quem 
me enviou se era uma montagem ou uma dobrarem 
(que foi o que me pareceu). Não era. Era a sério. 
Espantei-me com o comportamento desnorteado de 
Mário Centeno, balbuciando, sorriso cativante mas olhar 
de náufrago, a sua impossibilidade de responder a uma 
questão com o argumento de “serem muitos números”. 
Mas o que não julguei possível foi que o coordenador de 
um programa económico “de governo” tenha vindo 
a assistir, impávido e mudo, à descaracterização, step by step, 
daquilo que seriamente procurou inspirar e coordenar. 
Que dirá a si mesmo ao fim do dia deste vexame?
A vida continua e Mário Centeno continua a frequentar a 
extrema-esquerda ao lado de Costa: como se nada 
fosse e caucionando tudo.
4. Andam para aí apostas sobre se Cavaco Silva 
indigitará António Costa para liderar um governo integrado 
ou apoiado por radicais se a coligação for chumbada 
como sofregamente a esquerda anuncia. 
Também circulavam apostas sobre se o Presidente indigitaria 
Passos Coelho para formar novo Executivo quando era bem 
de ver que não podia fazer outra coisa. 
Não valiam a pena nem as apostas, nem as ânsias. 
Agora também não. E só os que não medem nem alcançam 
o que significaria para o país um governo de gestão podem 
prosseguir com as apostas.
5. Há gente dividida, um clima crispado, tensão no ar, 
radicalismo, linguagem insultiva. Uma revolução, em acabando 
– mal ou bem –, esgota-se. Por natureza e definição nada disso 
pode ser comparável ao tempo politico que vivemos hoje, 
numa democracia estabelecida e num Estado de direito, 
mesmo se uma e outro em acentuada perda de sentido e de 
valores.
Aflige-me e perturba-me este estado de coisas. Está a ir-se 
tão longe na irracionalidade nos modos e nos procedimentos 
políticos que o retrocesso vai ser difícil e o reequilibro 
porventura impossível. Talvez já só noutra República. 
De um dia para o outro – literalmente –, metade do país 
passou, aos olhos da esquerda, a ser constituída por inimigos 
em vez de adversários, olhados com acinte, tratados 
com inclassificável desprezo, (quase) acusados de traição 
e sem direitos políticos. 
Os grandes mestres do ressentimento, os grandes 
encenadores do ódio, os praticantes da crispação, 
podem dormir descansados. 
Eu é que talvez não consiga."
in observador.pt

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