Para quem usufrui da ADSE, será bom ler-se com atenção em que casos concretamente é que se aplica o direito a transporte para tratamentos e as regras a observar.
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Os centros de saúde e os hospitais públicos não podem negar o transporte a doentes não urgentes beneficiários da ADSE mas que sejam atendidos no SNS. A imposição vem numa deliberação publicada nesta terça-feira pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS), que investigou três casos - um a norte, outro na região sul e um último na região centro - em que os serviços públicos recusaram transportes para tratamentos porque os utentes tinham o subsistema de saúde.
No primeiro caso, de 2016, um doente de Braga com 90% de incapacidade viu o Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Cávado negar-lhe vários pedidos de transporte para a fisioterapia. "O médico de família enviou sempre o pedido de transporte para a entidade responsável pelas autorizações (ACES) e a mesma entidade recusou sempre os pedidos, alegando ser beneficiário da ADSE", conta o doente na queixa que apresentou ao regulador da saúde.
Mais a sul, na zona de Setúbal, outra situação semelhante. Desta vez no ACES Arrábida e a envolver uma doente de 80 anos que sofre de Parkinson, aconselhada pelo médico neurologista a fazer fisioterapia para reduzir a progressão da doença. Um pedido também recusado, como conta a filha da utente na reclamação enviada à ERS. "Como tem critério clínico por motivo de doença e como também tem insuficiência económica, teria por lei direito ao transporte de ambulância. Durante a vida em que trabalhou, a minha mãe descontou primeiro, durante uns anos, para a Segurança Social e depois para a ADSE. Ora o problema surge aqui, é que, quando me dirigi ao posto de saúde da área de residência (Posto Águas de Moura), pedi para fazer prevalecer o SNS, pois sabia que se no sistema informático estivesse a prevalecer a ADSE a minha mãe não teria direito ao transporte, de acordo com a Portaria 142-B/2012 de 15.05, art. 11 n.º 1 alínea b)".
ERS exige tratamento igual
O que diz esta portaria usada pelas unidades como justificação para negar os pedidos a estes doentes? A norma que estabelece os requisitos clínicos e económicos mediante os quais o SNS assume os encargos com o transporte não urgente de doentes refere que "estão excluídas do âmbito de aplicação da presente portaria as seguintes situações: transporte não urgente de doentes beneficiários de subsistemas de saúde, bem como de quaisquer entidades públicas ou privadas responsáveis pelos respetivos encargos".
Argumento também usado pelo Instituto de Oncologia de Coimbra para recusar em 2016 transporte a uma doente de Ílhavo que precisava de fazer radioterapia em Santa Maria da Feira. Também ela beneficiária da ADSE. Em resposta a questões da ERS sobre este caso, o IPO não só apontou para portaria de 2012 como acrescentou que a Administração Central do Sistema de Saúde, numa atualização de 2016 sobre esta área, indicou que "o médico pode prescrever o transporte caso clinicamente tal se justifique". Mas "o doente portador desta prescrição deve diligenciar diretamente o agendamento do transporte ou apresentar esta prescrição ao subsistema de saúde, assumindo o doente ou o respetivo subsistema o encargo financeiro decorrente do transporte".
Argumentos rebatidos pelo regulador, que começa por recordar um parecer relativo ao tratamento de utentes beneficiários do SNS que, recorrendo à Rede Nacional de Prestação de Cuidados de Saúde, tenham também ADSE. Parecer em que a ERS concluiu que o acesso dos beneficiários da ADSE - cerca de 670 mil pessoas - à rede de saúde "deve ser efetuado em condições de igualdade com os demais utentes beneficiários do SNS". Isto é, se um utente, ainda que beneficiário de um subsistema de saúde, se dirige ao SNS para receber cuidados de saúde, é na qualidade de beneficiário do SNS que deve ser tratado e não deve ser prejudicado no acesso nem ver limitada a sua liberdade de escolha.
Direitos do doentes "não foram respeitados"
A questão central em relação a estas três reclamações é se os pedidos foram feitos por centros de saúde ou hospital do SNS ou ao abrigo de um subsistema de saúde. Porque nesse caso, lembra a ERS, "o regime previsto na citada portaria já não visa assegurar o transporte não urgente de utentes que recorrem à rede de prestadores do setor público, privado ou social, ao abrigo de um subsistema de saúde ou de um seguro de saúde". E de forma sintética, a Entidade Reguladora chegou à conclusão de que apenas o ACES Cávado tinha razões para recusar o pedido do seu doente, já que as sessões de fisioterapia em causa nem foram prescritas pelo médico de família do utente, mas pela Associação de Paralisia Cerebral de Braga.
Já o ACES Arrábida reconhece que as sessões de fisioterapia que motivaram o pedido de transporte da doente com Parkinson foram prescritas no âmbito do SNS. Resposta idêntica à do IPO de Coimbra, que informa que a doente de Ílhavo "foi referenciada no âmbito do SNS, através do sistema informático de apoio à consulta a Tempo e Horas e, como resultado de uma avaliação multidisciplinar, foram-lhe prescritas pelo corpo clínico do próprio IPO sessões de radioterapia". Conclusão do regulador: nos casos das reclamações dirigidas ao ACES Arrábida e ao IPO de Coimbra, não foram respeitados o direito dos utentes de acesso ao SNS e as unidades devem "adotar os procedimentos internos necessários, para que seja respeitado o direito de acesso de todo e qualquer utente ao SNS e "assegurar que os utentes do SNS que sejam simultaneamente beneficiários de um qualquer subsistema público ou privado de saúde não sejam prejudicados no acesso ao SNS, nem porventura limitados na sua liberdade de escolha e opção pelo regime de beneficiário do SNS". Recomendações, aliás, que não se dirigem apenas às unidades em causa, mas que foram enviadas a todas as administrações regionais de saúde.
À espera de luz verde das Finanças
Refira-se que o ACES Arrábida não se opôs à deliberação do regulador e que o próprio IPO de Coimbra sublinhou, em resposta à posição da ERS, "que subscreve a opinião de que o benefício de um subsistema não deveria implicar a perda de um direito geral" e que a restrição informática no Sistema de Gestão de Transportes de Doentes seria retirada, assim como seria feito um pedido ao Ministério da Saúde para rever a portaria de 2012. Numa nota enviada já neste ano à entidade reguladora, a ACSS até defende que "os encargos decorrentes do acesso a cuidados de saúde pelos beneficiários dos subsistemas que sejam simultaneamente beneficiários do SNS são da responsabilidade do SNS", e que por isso mesmo pediu um esclarecimento ao governo sobre a questão do transporte não urgente de doentes.
A questão é que o Ministério da Saúde tem de obter junto das Finanças um reforço de verbas inscritas no Orçamento do Estado (OE), tendo o OE para 2018 mantido "a redação já constante das anteriores leis do Orçamento do Estado nesta matéria, não existindo, consequentemente, 'base jurídica para alterar os procedimentos atuais'". Portanto, "tendo em conta que a assunção pelo SNS dos encargos das prestações de cuidados de saúde a utentes simultaneamente beneficiários dos subsistemas de saúde reveste uma vertente orçamental que não é despicienda, e atendendo à orientação tutelar recebida, não poderá, naturalmente, a ACSS atuar de modo dissonante".
Marcelo espera para ver orçamento da saúde
Questionado ontem sobre a assistência prestada no Serviço Nacional de Saúde, na sequência de uma outra deliberação da ERS que expôs o caso de uma doente do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental que viu a sua consulta ser desmarcada no início de 2017 e acabou por morrer três meses depois por insuficiência cardíaca, o Presidente da República não quis comentar, argumentando que está sob a alçada do Orçamento do Estado. "Esse é um tema que tem muito que ver com OE [Orçamento do Estado]. Vamos ver aquilo que no OE será afetado à saúde. Quanto é que é afetado à saúde e como será afetado. Por outro lado, vai haver um grande debate em Portugal sobre a Lei de Bases da Saúde. Acho que vai ser um grande debate no final deste ano e no ano que vem", disse Marcelo Rebelo de Sousa nesta terça-feira, na Maia.
Já o primeiro-ministro, António Costa, garantiu que o compromisso do governo com a saúde "não é de palavras, é real", afirmando que não dialoga com o bastonário da Ordem dos Médicos, mas com os portugueses. "O meu diálogo não é o com o bastonário. O meu diálogo é com os portugueses, e o que eu digo aos portugueses é o que o nosso compromisso com a saúde e com a defesa do Serviço Nacional de Saúde é sagrado e não é de palavras, é concreto", afirmou António Costa em Melgaço, distrito de Viana do Castelo.
Na segunda-feira, o bastonário da Ordem dos Médicos referiu que o diretor clínico do Hospital de Gaia afirmou que ele e os 51 chefes de equipa do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho abandonam funções no dia 6 de outubro se o governo não der nenhum "sinal positivo". Questionado sobre os problemas existentes naquela unidade hospitalar, o primeiro-ministro disse não comentar caso a caso, enquanto o secretário de Estado adjunto e da Saúde, Fernando Araújo, afirmou em Lisboa que o acesso com qualidade dos utentes ao hospital de Gaia está assegurado, convicto de que as questões levantadas pelas demissões dos responsáveis clínicos serão "seguramente resolvidas".
(in: dn.pt de 12 setembro 2018 por Pedro Vilela Marques)
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