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Li na Revista Notícias Magazine, do dia 02 do corrente mês um artigo sobre piolhos: "Piolhos: selfies, mitos e estigma", da autoria de Ana Tulha.
O referido artigo é muito elucidativo porque foca-se num problema que atravessa os tempos, principalmente da nossa infância; e a entrevista que transcrevo, ajuda a perceber melhor este fenómeno e como devemos reagir perante ele.
Então, aqui o temos, para ler com muita atenção:
Piolhos: selfies, mitos e estigma
Sim, as fotos de grupo podem contribuir para a sua proliferação. Mas mais importante é vincar que este parasita nada tem que ver com condição social ou falta de higiene.
Reproduzem-se à velocidade da luz, agarram-se ao cabelo como lapas, chegam aos 3,3 milímetros de comprimento (em adultos), dão uma comichão que deixa qualquer um à beira de um ataque de nervos. Falamos, pois, de piolhos, concretamente dos piolhos da cabeça, os Pediculus humanus capitis, parasitas de seis patas e grande afeição pelo couro cabeludo, onde vão beber o sangue que os alimenta. Em troca, deixam um rasto de saliva, impercetível a olho nu mas causador de um prurido insuportável. Existem há milhares de anos e, apesar dos múltiplos produtos que têm vindo a ser desenvolvidos para os eliminar, não é razoável que possamos aspirar à sua extinção. Na verdade, apesar de não haver estudos que permitam estabelecer termos de comparação credíveis, os médicos habituados a lidar com estas questões garantem que a prevalência se tem mantido mais ou menos inalterada, de surto em surto, sem crescendos ou decréscimos significativos a registar. Pelo menos em Portugal.
“Tem sido algo relativamente constante, não há propriamente uma tendência. O que há, de forma muito vincada, é uma faixa etária preferencial, que vai das crianças aos adolescentes e afeta sobretudo as meninas, por terem o cabelo mais comprido”, refere Joana Fernandes, especialista em medicina geral e familiar que trabalha na USF Monsanto, em Lisboa, e no Hospital Trofa Saúde, na Amadora. Vale a pena, a propósito, desconstruir uma ideia errada que persiste. Os piolhos não voam nem saltam. Já os fios de cabelo são para eles verdadeiras autoestradas. Daí que a grande forma de transmissão destes parasitas seja o contacto cabeça com cabeça, fio a fio – ainda que também seja possível apanhar piolhos através da partilha de objetos, como chapéus, gorros ou pentes. Percebe-se, por isso, porque é que as meninas, que habitualmente têm cabelos mais compridos, acabam por ser os alvos preferenciais destes bichinhos que nos acompanham desde sempre. A estimativa avançada por Susana Amendoeira, responsável da Sem Mais Piolhitos Portugal, cadeia de centros de eliminação de piolhos e lêndeas que está já presente em várias cidades do país, é reveladora: dos casos que lhes chegam, 90% são do sexo feminino. O que não quer dizer que os rapazes estejam livres de problemas, particularmente se tiverem cabelos compridos e bastos. E já agora, se forem especialmente dados a abraços – por causa da tal questão do contacto direto.
E as selfies, podem ou não estar a contribuir para adensar o problema? A relação tem sido estabelecida amiúde, apontada por publicações e especialistas internacionais. Federico Galassi, por exemplo, investigador no Pest and Insecticide Research Center (Centro de Investigação em Pesticidas e Inseticidas), em Buenos Aires, que se tem debruçado sobre o tema, garantiu ao americano “The Washington Post” que as selfies são “uma forma significativa de transmissão”. Se nos lembrarmos do que falávamos há pouco, que o piolho não voa nem salta, mas adora o contacto cabeça a cabeça, percebemos que, no mínimo, a teoria não pode ser considerada descabida. Manuel Magalhães, pediatra no Centro Materno-Infantil do Norte (CMIN), no Porto, vinca isso mesmo. “A questão não é propriamente a selfie. A questão é que, entre os adolescentes, as selfies de grupo são comuns e isso implica estarem com as cabeças quase coladas.”
“O piolho é democrático e o estigma também”
Voltemos aos mitos. Sobretudo aos dois maiores equívocos. Um: os piolhos afetam particularmente as classes sociais mais desfavorecidas. Dois: se tem piolhos, é porque se desleixou na higiene. Em ambos os casos, não há nada mais errado. “Os parasitas até preferem os cabelos mais limpos, conseguem aderir melhor do que num cabelo com mais oleosidade”, ressalva Joana Fernandes, médica de família. E sim, afetam pessoas de todos os estratos sociais. Susana Amendoeira, da Sem Mais Piolhitos, partilha, por exemplo, que o centro que lidera tanto é procurado por pessoas que não demonstram ter qualquer dificuldade em pagar o serviço (acima dos 60 euros), como por quem agenda do princípio para o fim do mês, a contar com o salário que há de cair por essa altura. Tudo provas de que o estigma não tem razão de ser.
Mas já terão os portugueses consciência disso? Luiz Cabral, responsável pela Kids & Nits, cadeia que conta com quase uma centena de centros especializados na eliminação de piolhos e lêndeas em toda a Europa (mais de 20 em Portugal), vê o copo meio cheio. “Ainda há algum, mas cada vez menos. Hoje em dia as pessoas já são mais abertas em relação a estas questões, começam a compreender que o piolho não tem nada a ver com a classe social, que não tem nada a ver com o facto de se ser rico ou pobre.” Também Susana Amendoeira sente uma evolução, de 2019 (ano em que abriram o primeiro centro) para agora. “Vemos, por exemplo, nas avaliações online. No início, notávamos que havia alguma resistência a fazê-lo, porque isso implicava assumir que o filho ou filha tinha tido piolhos. Hoje já é algo que acontece com frequência.” Concede, no entanto, que o preconceito ainda resiste. Joana Fernandes também o percebe, no dia a dia profissional. “Ainda tenho pacientes que ficam escandalizados porque o filho tem piolhos. E que dizem coisas como: ‘Como é que é possível? Eu lavo-lhe sempre o cabelo!’.”
Volta e meia, Manuel Magalhães, do CMIN, vai até sabendo de surtos em contexto escolar que ganham maior expressão porque há pais que evitam avisar na escola que os filhos têm piolhos. “Acredito que seja por vergonha, por não quererem que o filho seja visto como o ‘paciente zero’, quando muitas vezes nem sequer é”, assente. E assim a infestação alastra-se (porque se os outros pais não fazem ideia, não andam particularmente atentos e não eliminam prontamente os piolhos, pelo que a cadeia de transmissão prossegue a ritmo acelerado). Sendo que casos destes – em que os pais resistem a avisar logo que detetam piolhos no couro cabeludo dos filhos – acontecem tanto nos mais reputados colégios privados como nas escolas públicas. Susana Amendoeira resume-o assim. “O piolho é muito democrático e o estigma também.”
Parasitas mais resistentes, infestações mais severas
E afinal, os bichos estão ou não mais resistentes? Há vários estudos que apontam para isso. Pelo menos a nível internacional. Nos Estados Unidos, no Canadá, mais recentemente no Reino Unido, tem dado que falar o surgimento de um “superpiolho”, altamente resistente aos tratamentos feitos até então, à base de inseticidas. Luiz Cabral, da Kids & Nits, garante que também já nota esta resistência crescente neste cantinho da Europa. “Cada vez mais, a maioria dos clientes que nos chegam, tanto em Portugal como em Espanha, já tentou tudo com os produtos da farmácia e nada resultou.” Nestes centros, a remoção da maior parte dos parasitas é feita através de um equipamento térmico que emite tanto ar quente (para desidratar piolhos e lêndeas) como ar aspirado, que vai completar o processo de eliminação de resíduos. Segue-se um exame visual meticuloso, com lentes de aumento e luzes LED, para garantir que nenhum bichinho escapou.
Susana Amendoeira, da Sem Mais Piolhitos Portugal, também nota um crescimento considerável das infestações graves ou severas. “São aqueles casos em que as pessoas têm mesmo muitos piolhos e lêndeas e que demoram mais tempo a resolver. Estes casos representam hoje cerca de 10% dos que nos chegam.” Resistências à parte, há explicações de cariz mais prático que ajudam a percebê-lo. A primeira é que grande parte dos champôs não eliminam as lêndeas, apenas os piolhos, pelo que é importante repetir o procedimento ao fim de uma semana (e já agora, ir verificando o cabelo com regularidade, durante pelo menos três semanas). A segunda é que o champô tem de ser espalhado de forma cuidadosa, de forma a que não haja piolhos a escapar. Por último, a aplicação só será eficaz se for seguida de um processo meticuloso de remoção manual de piolhos e lêndeas, com um pente de dentes finos. Se tal for feito, assegura o pediatra Manuel Magalhães, “a abordagem convencional serve”. Pelo menos, na maior parte dos casos. Importante, realça, é mesmo acabar de vez com a ideia de que “o piolho tem algo que ver com estatuto social”. Não tem. É, pelo contrário, do mais eclético que há.
in https://www.bbc.com/portuguese/geral-61985456
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